segunda-feira, 27 de abril de 2020

Fingir que está tudo bem






fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer? olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.

(José Luís Peixoto, in ‘A Criança em Ruínas’)

4 comentários:

  1. Um belo poema do J. L. Peixoto.
    Boa semana, Gracinha!

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  2. Gostei muito de ler. Claro que não está tudo bem. Mas com o esforço de todos e o RESPEITO que a vida nos merece, VAI FICAR TUDO BEM. Eu, acredito

    Cuide-se

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  3. Luto contra
    "As crianças em Ruínas
    contra
    Os velhos em ruínas
    os filhos deles
    e também das filhas

    Como?
    "Desenhando Sonhos"
    porque não adianta fingir
    que está tudo bem
    nos empenhamos
    em que estejamos
    um pouco melhor...

    E não é que conseguimos?

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  4. Não está tudo bem mas vai ficar tudo bem.
    Beijinhos

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