O sociólogo Boaventura de Sousa Santos escreveu um excelente texto no Jornal de Letras de 11 a 24 de março
intitulado «Ensaio contra a purificação».
E diz ele: «A distinção entre o
puro e o impuro parece ser uma constante de todas as culturas e de todos os tempos.
(…) O puro é, em geral, concebido como o estado ideal, superior, tanto no
domínio do profano como no domínio do sagrado, enquanto o impuro é concebido
como o estado inferior ou a inclinação normal ou vulgar. (…)
O que designamos por cultura ocidental,
cuja origem se atribui convencionalmente, sobretudo desde meados do século XIX,
à Grécia antiga, segue dominantemente a ideia da separação absoluta entre o puro
e o impuro. (…) todas as versões [filosóficas] convergem na ideia de que a
purificação é essencial para o estabelecimento da ordem. A purificação permite
diferenciar e hierarquizar entre o superior e o inferior, entre o normal e o excessivo,
entre o governante e o governado, entre o que pertence e o que não pertence. (…)
O colonialismo histórico foi o campo
privilegiado para a consolidação deste senso comum. Os conquistadores e os
colonizadores depararam-se com um mundo novo (para eles), tão vasto e tão
diferente que a magnitude das diferenças exigia um exercício contínuo de
purificação. Os povos originários eram definitivamente inferiores, primitivos,
selvagens, em suma, impuros. A sua purificação exigia uma separação
particularmente violenta que podia ser exercida por extermínio ou desidentificação
via evangelização e, mais tarde, educação. (…) Este senso comum foi um instrumento
tão eficaz na violenta dominação colonial, do extermínio à evangelização e à
escravatura, da ocupação territorial à expropriação e saque das riquezas
naturais dos povos colonizados.
Esse senso comum prevalece até
hoje, permanece vivo e está entre nós em múltiplas formas: racismo, extrema concentração
de terra, expulsão violenta de camponeses e povos indígenas dos seus
territórios, exploração sem precedentes dos recursos naturais, extermínio
migratório do Mediterrâneo à fronteira sul dos EUA, persistência e mesmo incremento
de trabalho escravo, zonas de sacrifício onde populações descartáveis são
envenenadas pela poluição causada pelos complexos industriais, colonialismo
tóxico quando as periferias pobres do sul global são convertidas em depósitos
do lixo, muitas vezes tóxico, produzido no Norte global (afinal, a impureza é normal
entre os impuros, lixo com lixo). (…)
A purificação é sempre a
imposição da ordem contra um caos perigoso a ponto e a destruir ou
desacreditar; a purificação por separação foi a mãe de todos os despotismos
modernos.
Se em vez da conceção da natureza
como uma entidade desprovida de dignidade vivente e inteiramente ao dispor dos
humanos fosse adotada a conceção espinosista da natureza como principio vital,
centro da vida da qual dependemos, certamente a respeitaríamos como a
respeitaram sempre os povos originários. E se isso sucedesse, talvez não
estivéssemos hoje mergulhados numa situação de catástrofe ecológica. (…)»
……..
E a mim, ninguém me tira da
cabeça que – mesmo que tenha sido maldosamente encomendado a um qualquer
laboratório chinês ou norte-americano – este Vírus que ora se abateu sobre o
mundo (como se estivéssemos a viver dentro de um asfixiante filme de ficção
científica) mais não é que um processo de purificação da Natureza contra nós,
humanos, que estávamos/estamos a destruí-la.
E será que este covid-19 não foi inventado pela ciência humana na sua avidez de cada vez mais, estudar, estudar, estudar coisas e factos?
ResponderEliminarFeliz fim de semana
Por deformação da minha formação (química)a purificação tem vários processos em que agentes externos reduzem todos os componentes estranhos à substância até esta se apresentar no seu estado puro. Na natureza raramente ocorre. Assim, vendo num vírus um agente purificador da humanidade só me pode causar hilaridade... tua parte final, a verde, faz-me pensar se o vírus não será obra divina mandada à Terra como castigo de desmandos humanos...
ResponderEliminarBoaventura Sousa Santos é um filósofo inspirador de pensamentos místicos...
Se considerarmos a Natureza mística, então concordo... mas nunca como castigo divino. Sou mais panteísta que outra coisa...
EliminarMas aceito todas as opiniões, claro!
Gosto de Boaventura Sousa Santos e da forma como pensa. Acerca do vírus não quero pensar em teorias da conspiração e maldade mais pura. Mas gostaria que se apurasse como surgiu e não apenas o onde.
ResponderEliminarEu concordo com Bea!!!
ResponderEliminarA refletir... Bom domingo 🙏
Também eu concordo com a Bea.
EliminarBeijinhos virtuais...