Dicionário das Coisas Práticas

Mais uma semana rica em acontecimentos marcantes. E nem sequer tenho em mente os dislates do Carnaval português que sempre conta com a grotesca pessoa do presidente regional da Madeira nas suas habituais tristes figuras e com os também habituais mas caricatos desfiles de meninas pseudo sensuais que pseudo sambam em pleno inverno de um país temperado húmido como se estivessem em pleno país tropical. Como não considero acontecimento marcante a obrigatoriedade de se trabalhar na 3ª feira gorda “imposta” por este governo caricatural para troika ver e levantada por quase todos os serviços com autonomia para o fazer.

Como não é de achar marcante a tonteria hipócrita de casais e casalinhos que, para corresponderem à moda do Dia dos Namorados que, como tantas outras, importámos cegamente dos States, acorreram a tudo quanto foi florista, perfumaria, loja de chineses e restaurante para mostrar que se amam muito.

Marcante mesmo para o mundo católico (e talvez não só) foi o anúncio de renúncia feito pelo Papa, coisa inédita e nunca vista nos tempos da modernidade. E depois as carradas de entrevistas e de escritos de opinião que lhe sucederam! E o não-senso que daí decorreu de «acha que sim», «acha que não» e, pior que tudo, de deixar os cabelos em pé a qualquer cidadão laico e menor, que é o meu caso, (quanto mais aos outros!) de se atreverem a fazer comparações com a situação vivida pelo Papa anterior, completamente oposta à de este. Garanto-vos que vociferei e fiquei de cabelos em pé! Cada um de nós, num mundo civilizado e intelectualizado, tem direito à sua própria decisão, mesmo sendo um Papa, além de que, não viemos ao mundo para sermos comparados. E menos ainda por gentinha sem parâmetros dignos e conscientes para o fazerem! 

Agora do que eu gostei mesmo foi da sugestão cândida e serena que o Papa deixou ao “nosso” presidente. Vejam.

Verdadeiramente marcante para o mundo português foi a obrigatoriedade (mais uma!) imposta por este governo sobre cada um de nós de exigirmos fatura de toda e qualquer compra que façamos, sob pena de sermos multados. Surreal, não vos parece? Mas mais que surreal foi a reação do autodemitido Secretário de Estado da Cultura que avisou bem o que faria se fosse «fiscalizado» por algum Pide, quero dizer, por algum funcionário da ATA à saída de alguma loja ou café. 

Devo dizer que achei piada. Não posso dizer como o senhor Relvas que «respeito» porque aí estaria a admitir que pudesse também, alguma vez, “tomar” no dito… Mas sobre a expressão de repúdio do senhor ex secretário de Estado, há duas ou três coisas que devo registar.

Primeiro uma observação metalinguística que tem a ver com a expressão «tomar no cu» quando o nosso vernáculo utiliza mais o «levar no cu». Trata-se, quanto a mim, de uma questão de perspetiva: «tomar» foca-se mais no visado, no próximo, enquanto «levar» põe a ênfase no sujeito que perpetra a ação. Ou seja, o senhor secretário de Estado, conhecedor destas coisas da língua, desejou que o senhor funcionário da ATA recebesse o «castigo» mas talvez de outrem que não de ele próprio…

Depois quero também aqui deixar registado que, sendo o senhor secretário autor de um livro, o último que lançou, intitulado Dicionário das Coisas Práticas, não temos como estranhar esta sua reação – há lá coisa mais prática do que esta (de mandar tomar no cu) para coisa (mais uma!) tão cretina como a que o governo quis instituir?