A escritora portuguesa Maria Velho da Costa, Prémio Camões
em 2002, morreu ontem, repentinamente, aos 81 anos.
Nascida em Lisboa, em 1938, Maria Velho da Costa faria 82 anos no próximo dia 26 de junho.
Considerada uma das vozes renovadoras da literatura
portuguesa desde a década de 1960, Maria Velho da Costa é autora de conto,
teatro, mas sobretudo do romance tendo obras como "Maina Mendes"
(1969), "Casas Pardas" (1977) e "Myra" (2008).
Maria Velho da Costa foi ainda uma das coautoras, juntamente com Maria
Teresa Horta e Maria Isabel Barreno, de "Novas Cartas Portuguesas"
(1972), uma obra literária que denunciava a repressão e a censura do regime do
Estado Novo, que exaltava a condição feminina e a liberdade de valores para as
mulheres, e que valeu às três autoras um processo judicial, suspenso depois da
revolução de 25 de Abril de 1974.
Em singela homenagem, deixo aqui o seu emblemático e bem conhecido poema Revolução e Mulheres.
Elas fizeram greves de braços caídos.
Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta.
Elas gritaram à vizinha que era fascista.
Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas.
Elas vieram para a rua de encarnado.
Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de
água.
Elas gritaram muito.
Elas encheram as ruas de cravos.
Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes.
Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua.
Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo.
Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas
casas.
Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da
guerra.
Elas choraram de verem o pai a guerrear com o filho.
Elas tiveram medo e foram e não foram.
Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias
das herdades abandonadas.
Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma
cruzinha laboriosa.
Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia
ser sem os patrões.
Elas levantaram o braço nas grandes assembleias.
Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas
foices e martelos.
Elas disseram à mãe, segure-me aí os cachopos, senhora, que
a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é.
Elas vieram dos arrabaldes com o fogão à cabeça ocupar uma
parte de casa fechada.
Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na
mão.
Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens.
Elas iam e não sabiam para onde, mas que iam.
Elas acendem o lume.
Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado.
São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as
crianças adormecidas.
(In Cravo, Dom Quixote, 1976)
Uma homenagem a fabulosa uma das mais valiosas escritoras portuguesas: Maria Velho da Costa.
ResponderEliminarAMO toda a obra do "trio infernal": Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno.
Com lágrimas nas olhos, digo apenas ADEUS!!!
À mulher
ResponderEliminarÀ escritora
À cidadã
E a todos os títulos
o poema escolhido
é nas três vertentes
o mais representativo
Há sempre a sensação de um grande espaço vazio,
ResponderEliminarquando parte um grande vulto da nossa cultura.
Paz ao seu espírito.
Beijinhos
~~~~~
Vai fazer falta a voz de Maria Velho da Costa, escritora e cidadã…
ResponderEliminarO poema tenho-o guardado há muito tempo. É preciso não esquecer esses tempos tão novos para nós…
Uma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
E a cultura portuguesa ficou outra vez mais pobre.
ResponderEliminarBjs, boa semana
Mais uma referência que se foi....
ResponderEliminarBeijinhos
Uma das nossas Marias.
ResponderEliminarJá depois da sua partida assisti na RTP2 a um programa com esta extraordinária Mulher!
Abraço
Também eu!!!
EliminarUma resistente
ResponderEliminarque sempre estará viva
se for lida
Bj