quinta-feira, 28 de maio de 2020

Histórias da minha rua (16)


Que nem sempre é fácil viver em família já todos sabemos há muito até por experiência(s) própria(s), mas que esta pandemia louca que nos caiu em cima de forma inesperada e de um dia para o outro veio adensar muitos dos problemas que já se viviam em família, disso não há a menor dúvida.

A vizinha mora aqui quase ao lado, muito alegre, sempre bem-disposta e sempre acelerada…. Conheço-a há muitos anos, desde muito nova, antiga empregada do meu marido. Não obstante, o nosso relacionamento há muito que não passa do “bom dia, boa tarde”.

Um dia desta semana cruzámo-nos no supermercado ali em cima. Para além do bom dia, saíram-lhe não sei quantas queixas, não sei quantas angústias e quase algumas lágrimas.

A mãe morreu-lhe há cinco anos debaixo do comboio – também ela andava sempre acelerada… O pai, já velho, esteve doentíssimo – pneumonia e mais não sei o quê que o manteve algum tempo no hospital. Depois, ainda mal refeito da doença que quase o levara, veio para casa, sozinho, e aí os filhos, ora um, ora outra, foram tomando conta dele. Mas fazia dó ver aquele homem, que tinha sido um forte e entroncado chefe de serração, sempre pronto para toda a espécie de trabalho lá na fábrica, por ali, sentado à porta de casa, muito magro, muito só, muito triste.

Acabaram por inscrevê-lo num bom centro de dia de onde o vinham buscar, onde o alimentavam, o entretinham e o passeavam, vindo trazê-lo a casa ao fim do dia. Muito bem. Muito bom.

Quando em meados de março o país fechou, o centro de dia também fechou, como fecharam todos os outros. E a vida do pai da vizinha voltou a ser o que já fora: confinamento, solidão, apoiado pelos filhos, ora um, ora outro. Ela acabou por levá-lo para sua casa. Só que o ancião já baralha tudo; se sai, perde-se, em casa pergunta sem parar pela mulher e porque não está ela ali para tratar dele. Completamente alienado.

Tentaram o lar do tal centro de dia, que não, que não têm vagas – agora também não lhes convém estar a levar gente “nova” lá para dentro.

E o pior é que a vizinha vai voltar ao trabalho na próxima segunda-feira e não sabe como há de deixar o pai, nem com quem. Está desesperada.

Raço(1) de vida! Raço de pandemia!

(1)    Expressão tipicamente leiriense – digo eu…)


(daqui)


9 comentários:

  1. Quero ver quando se começarem a saber dos problemas de violência doméstica, divórcios e......... futuros nascimentos.
    O último caso é de louvar. Já os outros...aguardemos serenamente
    .
    Saudações amigas
    Cuide-se

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  2. Mais uma das muitas situações aflitivas que veio com este maldito vírus. Se já antes da pandemia a solidão dos mais idosos era um grande problema social e humano, agora como se vai encontrar uma solução para casos como o que partilhaste connosco, Graça? Quem vai tomar conta do senhor quando a filha for trabalhar? Muito triste!

    Beijinhos tristes.

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  3. Minha camisa
    é igualzinha
    É assim minha mão
    mas é diferente o bordão

    A pandemia veio pôr a nu
    o tanto
    da volta que é preciso dar

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  4. Imagine o que é ter os pais com mais de oitenta anos e uma irmã deficiente a milhares de quilómetros de distância...
    Beijinhos, bfds

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    1. Não dá para imaginar, Pedro!!! Muito dramático!

      Beijinho.

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  5. Uma vida... tal como muitas... com decisões bem complicadas! Bj

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  6. A vida está cada dia mais complicada.
    Abraço e saúde

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  7. Um dos muitos dramas que se estão a viver por todo o país.
    Na minha família está a viver-se o problema do único tio que me resta e da respectiva mulher.
    Não se arranja quem tome conta dela a tempo inteiro, o meu tio com 91 anos está esgotado e ela recusa-se a ir para um lar, que também estão fechados agora.
    Sâo as sobrinhas que vivem perto que vão dando algum apoio muito condicionado pelo confinamento.

    Abraço

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  8. Como escreveu Herberto Helder: todas as histórias pessoais são simples e tenebrosas…
    Uma boa semana com muita saúde, Graça.
    Um beijo.

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