O espanto é o tema do livro de Raul Brandão que ando a ler, Húmus. Foi publicado em 1917, em inícios da fase Modernista e - na minha modesta opinião - nada fica a dever às obras modernistas, até mesmo em relação ao Livro do Desassossego de Pessoa/Bernardo Soares.
Neste campeia o desassossego; em Húmus, campeia o espanto.
«E ainda o que nos vale são as palavras, para termos a que nos agarrar.»
«Na aparência é a insignificância a lei da vida; é a insignificância que governa a vila.»
«Só a insignificância nos permite viver:»
«A vila é um simulacro. Melhor: a vida é um simulacro.»
«Em certas ocasiões, se as palavras e a insignificância desaparecessem a via, só ficava de pé o espanto.»
(fragmentos de «Húmus» de Raul Brandão, 1917)
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Espanto foi o que eu, já nesse tempo amante da bela Língua Portuguesa, senti quando, aí pelos meus 17 anos li, pela primeira vez, aquele que ainda hoje considero um dos mais belos textos escritos em português e que hoje deixo aqui como homenagem à nossa bela Língua Portuguesa.
«Pede-se a uma criança: Desenha uma flor! Dá-se-lhe papel e
lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém.
Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras
noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais
custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não
resistiu. Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais.
Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor! As pessoas não
acham parecidas estas linhas com as de uma flor! Contudo a palavra flor andou
por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à
procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas
dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas,
são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!»
(Almada Negreiros)
Acredito que seja um livro muito interessante de ler.
ResponderEliminar.
Um dia feliz
Cuide-se
Interessante, mas complexo... Estou a ler aos poucos. O Prof. David Mourão-Ferreira diz que o leu numa noite porque não conseguiu parar...
ResponderEliminarObrigada.
Bj
Gostei muito deste excerto do livro de Almada Negreiros.
ResponderEliminarRevi- me nas palavras dele, já que sempre gostei de interpretar os traços, ora finos, ora fortes das crianças com quem trabalhei.
Beijinhos Graça
O excerto é muito belo, o livro nunca li.
ResponderEliminarAbraço
Foi celebrado aqui na Escola Portuguesa de Macau.
ResponderEliminarBeijinhos
Também me orgulhei e regozijei...
ResponderEliminarPorém, não era sem tempo!!
A inglesa já tem dez anos de Dia Internacional...
Dias bons em espantos literários...
Beijinhos floridos.
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Grande e bela a nossa língua - a quarta mais falada do mundo!
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