Que nem sempre é fácil viver em
família já todos sabemos há muito até por experiência(s) própria(s), mas que
esta pandemia louca que nos caiu em cima de forma inesperada e de um dia para o
outro veio adensar muitos dos problemas que já se viviam em família, disso não
há a menor dúvida.
A vizinha mora aqui quase ao
lado, muito alegre, sempre bem-disposta e sempre acelerada…. Conheço-a há
muitos anos, desde muito nova, antiga empregada do meu marido. Não obstante, o
nosso relacionamento há muito que não passa do “bom dia, boa tarde”.
Um dia desta semana cruzámo-nos
no supermercado ali em cima. Para além do bom dia, saíram-lhe não sei quantas
queixas, não sei quantas angústias e quase algumas lágrimas.
A mãe morreu-lhe há cinco anos
debaixo do comboio – também ela andava sempre acelerada… O pai, já velho,
esteve doentíssimo – pneumonia e mais não sei o quê que o manteve algum tempo
no hospital. Depois, ainda mal refeito da doença que quase o levara, veio para
casa, sozinho, e aí os filhos, ora um, ora outra, foram tomando conta dele. Mas
fazia dó ver aquele homem, que tinha sido um forte e entroncado chefe de
serração, sempre pronto para toda a espécie de trabalho lá na fábrica, por ali,
sentado à porta de casa, muito magro, muito só, muito triste.
Acabaram por inscrevê-lo num bom
centro de dia de onde o vinham buscar, onde o alimentavam, o entretinham e o
passeavam, vindo trazê-lo a casa ao fim do dia. Muito bem. Muito bom.
Quando em meados de março o país
fechou, o centro de dia também fechou, como fecharam todos os outros. E a vida
do pai da vizinha voltou a ser o que já fora: confinamento, solidão, apoiado
pelos filhos, ora um, ora outro. Ela acabou por levá-lo para sua casa. Só que o
ancião já baralha tudo; se sai, perde-se, em casa pergunta sem parar pela
mulher e porque não está ela ali para tratar dele. Completamente alienado.
Tentaram o lar do tal centro de
dia, que não, que não têm vagas – agora também não lhes convém estar a levar
gente “nova” lá para dentro.
E o pior é que a vizinha vai
voltar ao trabalho na próxima segunda-feira e não sabe como há de deixar o pai,
nem com quem. Está desesperada.
Raço(1) de vida! Raço
de pandemia!
(1) Expressão tipicamente leiriense – digo eu…)
(daqui) |