sábado, 25 de abril de 2015

País de Abril

(Daqui)

São tristes as cidades sob a chuva
e as canções que se atiram contra as grades
- minha pátria vestida de viúva
entre as grades e a chuva das cidades.

É triste o cão que ladra no canil
quando é março ou abril e lhe prendem as pernas
é triste a primavera no País de Abril
- minha pátria perfil de mágoas e tabernas.

É triste: uns vestem-se de Abril outros de trapos.
Tu ó estrangeiro é só por fora que nos olhas
- minha pátria bordada de farrapos
capa de trapos remendada a verdes folhas.

Abril tão triste no País de Abril. Por fora
é tudo verde. (Abril com máscaras de festa).
Por dentro - minha pátria a rir como quem chora
(A festa da tristeza é tudo o que lhe resta).

Abril tão triste no País de Abril. Aqui
a noite. Aqui a dor. Meninos velhos
- minha pátria a chorar como quem ri
em surdina em silêncio. E de joelhos.

(Manuel Alegre; in País de Abril; 2014)


Poema dedicado a Ernesto Melo Antunes, escrito na década de 60, mas que infelizmente se sente, de novo, infelizmente tão atual!

22 comentários:

  1. Verdade. Este país anda triste. Nem abril lhe está a valer.

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  2. "Abril tão triste no País de Abril (... ) E de joelhos."
    Perguntaria ao Poeta, de joelhos, perante quem?
    Se a resposta é a que estou a pensar,
    que espera para se levantar?

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    1. E eu perguntaria a este povo: por que espera para se levantar?!

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  3. Que raio de sociedade nós construímos !?
    Excelente poema de Manuel Alegre e gosto da foto!

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  4. A foto é linda.
    Parece que muito pouco mudou – com a exceção do grande bem que é a liberdade – e se não considerarmos os primeiros anos de regozijo, de exageros, de gastos incompreensíveis e sem planos definidos para o futuro. As consequências da irresponsabilidade dos dirigentes aí está… Passaram décadas e continua-se a falar de maus governantes. De certo haverá bons, mas desses ninguém fala. Mais uma oportunidade nas próximas eleições para se eleger mulheres e homens que têm o bem do país como sua prioridade. Quem serão eles e elas?

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    1. Belíssimo comentário, Catarina! Obrigada.

      Beijinhos. (Falámos hoje em ti, lá em Monte Real, no encontro de bloggers...)

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  5. "Máscaras" para sobrevivermos por tantos outros descalábrios de nossos governantes corruptos... Perde-se a beleza dos dias realmente... Difícil até de produzir textos belos e incentivadores!
    Abraço.

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    1. Boa metáfora a das "máscaras", amiga Célia! Obrigada.

      Beijinhos

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  6. O triste é que neste país textos escritos há mais de cem anos, parecem ter sido escritos hoje. Como se Abril tivesse sido apenas um sonho.
    Um abraço e bom Domingo

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  7. Gostava que todos pudéssemos sentir Abril. Juro que gostava.

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    1. E eu gostava que terminasse breve este sufoco destes quatro anos que representaram a vingança de Abril!

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  8. Meu Deus, parece ter sido escrito hoje de manhã!

    Beijinhos e bom domingo

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  9. Os grandes poetas são assim! Não conhecia o poema e não fosse a sua indicação de quando foi escrito, eu diria que foi ONTEM...tudo está certo, até a chuva...
    Cumprimentos,

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    1. O professor Monteiro Grilo, o poeta Tomaz Kim, meu professor de Teoria da Literatura, dizia «O poeta é um vate!» E os verdadeiros poetas são isso mesmo: una vates!

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  10. ~ ~ ~ Um poema eloquente. expressivo e muito sentido. ~ ~ ~
    ~~Bj~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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