Acabei há dias de ler um livro de onde retirei esta descrição do Porto. Sei que muitos de vós também o leram já, até porque o autor, apesar de não ser dos mais jovens, está na moda. Quem sabe de quem estou a falar?
«Escuro, pitoresco, desleixado, o Porto já não é a metrópole
que foi na minha infância. As pontes e a estação, o palácio do bispo, a Sé, a
Torre dos Clérigos, tudo isso se mantém, e vista da margem esquerda a paisagem
da cidade continua esplêndida. Mas nos rostos das pessoas há mais sombras que
sorrisos, o ar de algumas ruas é de mau agouro.
O rio lá está, quase sem movimento, com pouca vida, só de
longe um ou outro naviozito se arrisca a passar por entre as línguas de areia
que lhe assoreiam a foz. Os rabelos envernizados
que agora o navegam são falsificações da publicidade e na beira-rio lodosa de
Gaia, que conheci cheia de bulício, a ferver de agitação, deitaram placas de
cimento e fizeram esplanadas onde os turistas se sentam a beber cerveja, de
costas para a cidade para melhor tomarem o sol. Passo, olho, vou adiante e
minto a mim próprio, dizendo-me que é absurdo carregar o peso morto do passado.
Hospedei-me por uma noite num hotel da Praça da Batalha,
contente de ver em redor quase todos os cafés do meu passado, a sua presença a
confirmar que nem tudo se estiola, nem tudo morre.
Desço para o rio, atravesso a ponte, refaço o que foi o
caminho de casa. Centenas ou milhares de vezes palmilhado, pouco importa a
conta. Por um instante, com sede, quase me deixo tentar pelos guarda-sóis
coloridos das esplanadas, mas continuo em frente, como se fosse inconveniência
ou traição ir-me sentar entre estranhos no mesmo lugar onde antes brinquei,
onde sonhei. Onde meu pai ia e voltava na sua ronda, vigiando o rio, assestando
o binóculo nos vapores quando um movimento lhe parecia suspeito, ou quando os
tripulantes desciam pelo portaló. Frustrado por ter de apreender o pequeno
contrabando da meia dúzia de maços de cigarros presos dentro das calças, ou da
garrafa de uísque apertada no sovaco, e ao mesmo tempo assistir impotente ao
tráfico do vinho, do volfrâmio, das mercadorias, que os seus chefes e alguns
colegas acobertavam.
Vira-os ganhar fortunas com o contrabando no começo da
guerra, construir casas apalaçadas, subir de posto, receber medalhas por bons
serviços, enquanto ele – que por natureza e educação tinha a lei por dogma – se
gastava a pedir inquéritos urgentes, a apresentar queixas, a fazer listas, a
escrever relatórios. (…)
Meu pai, que até então tinha bebido moderadamente, começou a
intoxicar-se.»
Não li o livro nem sabia a quem se referia... mas agora já sei.
ResponderEliminar:)
Li o livro e sei, portanto, qual o autor. Li dele 5 livros: La Coca (de onde foi retirado o texto), Ernestina, Os Lindos Braços da Júlia da Farmácia, Com os Holandeses e A Sétima Onda.
ResponderEliminarDEsconheço por completo o autor!
ResponderEliminarBons sonhos, ma belle.
Apesar de não ter boa memória, suspeitei de quem seria e confirmei com o 2º comentário :)
ResponderEliminarDeste autor acabei de ler há dias "A Amante Holandesa"!
ResponderEliminarEste extracto parece-me de "La Coca"...mas com tenho lido vários dele...não afirmo a pés juntos!
De todos, até gora prefiro "Ernestina" e "A Amante Holandesa"
Abraço
Consultei o meu “notebook”. Li este livro em Dezembro de 2010. Gostei.
ResponderEliminarNunca li, mas a impressão que tenho do Porto é algo do género. Adoro a zona da Ribeira, tudo o resto me parece demasiado cinzento...
ResponderEliminarPelas dicas presumo que seja o autor de Montedor,livro de que comprei a 1ª edição,quando andava mais atenta a coisas importantes.
ResponderEliminarContei bem o tempo?
Kinkas
O autor deste texto é transmontano como eu... Faz uma descrição maravilhosa do Porto , cidade que visito muito frequentemente e onde vive o meu filho...e neta. Nesta cidade , sinto-me em casa , gosto muito de lá ir e de lá estar .M.A.A.
ResponderEliminarAi como ele descreve bem o meu Porto!
ResponderEliminarAté eu, um falhanço nestes desafios, sei quem é! :-)
Sei! Embora nunca tenha lido nada dele. Mas ainda hoje estive com esse livro na mão, a espreitar o preço... :)
ResponderEliminarBeijocas!
Pois como disse o meu amigo Silva Rocha ( e quase toda a gente sabia), trata-se de um excerto de "La Coca" de J. Rentes de Carvalho. Não foi um livre de que tivesse gostado imenso pela intriga, mas faz belíssimas descrições de locais de Porto e do Alto Minho que foi o que mais me atraiu. Ainda não li mais nada deste autor; foi a minha estreia, para além dos texto que escreve no seu blogue: tempocontado.blogspot.com/
ResponderEliminarBoas leituras.