quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O pobre Cavaco



Todos conhecem bem a minha especial antipatia (para não dizer pior!) pelo senhor presidente. Também sabem que quase não resisto a uma boa crónica do jornalista-escritor Baptista-Bastos. E então se, por força do destino, se juntam ambos os parâmetros, então é o delírio! 

Recebi um dia destes um texto escrito por BB no Jornal de Negócios que alude à última triste gaffe do senhor presidente (da qual ele nunca teve a humildade de se desculpar junto do povo que precipitadamente agrediu) e, se bem que já um pouco atrasado, não consigo deixar de a transcrever para aqui pela sua atualidade e pela sua verdade. Concordo com cada uma das palavras que compõem a crónica à exceção do seu "piedoso final".

O pobre Cavaco

«A pátria, estarrecida, assistiu, nos últimos dias, à declaração de pobreza do dr. Cavaco, e aos ecos dessa amarga e pungente confissão. O gáudio e o apoucamento, a crítica e a repulsa foram as tónicas dominantes das emoções. Os blogues, aos milhares, encheram-se de inauditos gozos, e a Imprensa, grave e incomodada, não deixou de zurzir no pobre homem. Programas de entretenimento matinal, nas têvês, transformaram o coitado num lázaro irremissível. Até houve um peditório, para atenuar as suas preocupações de subsistência, com donativos entregues no Palácio de Belém. Porém, se nos detivermos, por pouco que seja, no dr. Cavaco e na sua circunstância notaremos que ele sempre assim foi: um portuguesinho no Portugalinho.

Lembremo-nos desse cartaz hilariante, aposto em tudo o que era muro ou parede, e no qual ele aparecia, junto de um grupo de enérgicos colaboradores, sob o extraordinário estribilho: "Deixem-nos trabalhar!" Cavaco governava pela primeira vez e os publicitários colocaram-no e aos outros em mangas de camisa arregaçadas. Os humoristas de serviço rilharam os dentes, de gozo, mas a época não era propícia à ironia. O País tornou-se numa espécie de imagem devolvida do primeiro-ministro: hirto, um espeque rígido, liso, um carreirinho de gente cabisbaixa.

O respeitinho é muito lindo: essa marca d'água do salazarismo regressava para um país que perdera a noção do riso, se é que alguma vez o tivera. Cavaco resulta desse anacronismo que fede a mofo e a servidão. É um sujeito de meia-tijela, inculto, ignorante das coisas mais rudimentares, iletrado e, como todos os iletrados, arrojado nas afirmações momentâneas. As suas "gaffes" fazem história no anedotário nacional. É um Américo Tomás tão despropositado, mas tão perigoso como o original.

Manhoso, soube aproveitar o momento vazio, no rescaldo de uma revolução que também acabou no vazio. Os rios de dinheiro provindos de Bruxelas, e perdulariamente gastos, durante os infaustos anos dos seus mandatos, garantiram-lhe um lugar de aplauso nas consciências desprotegidas dos portugueses. Este apagamento da verdade está inscrito, infelizmente, numa Imprensa servida por estipendiados, cuja virtude era terem o cartão do partido. Ainda hoje essa endemia não foi extirpada. Repare-se que, fora alguns escassos casos isolados, ainda não foi feita a crítica aos anos de Cavaco e das suas trágicas consequências políticas, ideológicas, morais e sociais. Há uma falta de coragem quase generalizada, creio que explicada pela teia reticular de cumplicidades, envolvendo poderes claros e ocultos.

A mediocridade da personagem é cada vez mais evidente. E se, no desempenho das funções de primeiro-ministro, foi sustentado pela falsa aparência de el dourado, devido aos dinheiros da Europa, generosamente distribuídos por amigos e prosélitos, como Presidente da República é uma calamidade afrontosa. Tornou o lugar desacreditante e desacreditado.

Logo no primeiro dia da sua entrada no palácio de Belém, o ridículo até teve música. Um país espavorido assistiu, pelas televisões, sempre zelosas e apressuradas, àquela cena do dr. Cavaco, mãos dadas com toda a família, a subir a rampa que conduz ao Pátio dos Bichos, e ao interior do edifício. Um palácio que não merecia recolher tal inquilino. Mas ele é mesmo assim: um portuguesinho no Portugalinho, um inesperadamente afortunado algarvio, sem história nem grandeza, impelido para o seu peculiar paraíso. A imagem da subida da ladeira possui algo de ascensão ao Olimpo, com aquelas figuras muito felizes, impantes, formais, intermináveis. Mas há nisto um panteísmo marcadamente ingénuo e tolo, muito colado a certa maneira de ser portuguesinho e pobrezinho: tudo em inho, pequenininho, redondinho.

Cavaco nunca deixou de ser o que era. Até no sotaque que não perdeu e o leva a falar num idioma desajeitado; no inábil que é; no piroso corte de cabelo à Cary Grant; no embaraço que sente quando colocado junto de multidões ou de pessoas que ele entende serem-lhe "superiores." Repito: ele não dispõe de um estofo de estadista, e muito menos da condição exigida a um Presidente da República.

O discurso da sua pobreza resulta de todas essas anomalias de espírito. Ele tem sido um malefício para o País. É ressentido, rancoroso, vingativo, possidónio e brunido de mente. Mas não posso deixar de sentir, por este pobre homem, uma profunda compaixão e uma excruciante piedade.»

Baptista-Bastos

 

14 comentários:

  1. Pois eu concordo com tudo o que B.B. escreveu. Aquele homem, que até nem é má besta, mete dó...
    Como não ter pena?

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  2. Parece-me que já andamos a dar demasiado cavaco ao Cavaco!

    Precisamos é de cavacos para nos protegermos do frio!...
    brrrrr parece que já o estou a sentir, eu, que até sou Beirão da Alta, que nasci sob os rigores dos frios Invernos daquela região!

    Abraço

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  3. Pois eu concordo a 100% contigo, excepto na admiração por Baptista Bastos - não em termos de escrita, note-se, que aí é admirável, mas como pessoa algo presunçosa!

    De qualquer das formas, o "retrato" que faz de Cavaco é bastante lúcido. Só que, tal como tu, não tenho nenhuma compaixão ou piedade por ele. Porque teria? Um homem que vive num palácio, rodeado de salamaleques, que jura defender a Constituição mas não a defende (como foi provado com estes verdadeiras ataques aos nossos direitos, liberdades e garantias, efetuados pelo atual governo) e que ainda por cima tem a desfaçatez de ignorar as reais condições de vida do povo português, lamuriando-se dos seus "parcos" rendimentos, não merece mais que desprezo...

    Enfim, não és a única a não gostar do presidente! ;)

    Beijocas!

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  4. Estimada Amiga Carol,
    Estou 100% em sintonia com que o relatou.
    A primeira vez que vi o Cavaco ao vivo, foi em Macau, era eu Comandante do Terminal Marítimo, quando ele passou por mim, o cumprimentei fazendo-lhe a continência, o tipo nem teve a amabilidade de olhar para mim, assim se tratam os portugueses na diáspora, ao contrário de Henry Kissinger que quando visitou Macau, me cumprimentou e comigo falou, bem o Mike Jackson, enfim. esse cavaco devia estar sim na lareira de um monte algarvio, para aquecer as pedras do seu pensamento.
    Abraço amigo

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  5. Admiro o BB. Diz o que tem para dizer e mais nada. Interpreta o sentimento nacional como nenhum outro.

    Sempre assim foi, que se conserve assim - direto, demolidor, atento.

    Beijo

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  6. Ufa...forte e feio...grande tareia de BBastos que a todos delicia pela verdade e pior conclusão.

    Fomos nós que o levámos até lá. Foi a imprensa e a TV que todos pagamos a preços milionários que o fotografaram e o pintaram das melhores cores...

    É tempo de punir esses lacaios ...

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  7. Aplaudo o que BB ecreve sobre Cavaco, mas ten«mos que ter em atenção uma coisa: foi o bom povo português que o tem elito para tidos os cargos!!!

    Por isso, me irrito mais com quem o elege sistematicamente do que com a criatura...

    Um excelnete dia, Gracinha

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  8. crónica tão certeira, Graça.

    irrita-me tanto a "falta de memória" dos portugueses...

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  9. Valeu ler a crónica de BB que expõe o que me vai na alma e não seria nunca capaz de expressar por falta de talento.Oxalá não comecem,paulativamente e como quem não quer da coisa, a usar o "lápis"
    Já estivemos bem mais longe.
    Kinkas

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  10. Crónica , como sempre , muito bem escrita.
    Quanto ao visado , muito acertado ; é tudo quanto eu penso.Não o suporto.
    M.A.A.

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  11. Conheces a minha velha expressão:
    Gente fina não fala de dinheiro!
    O que é que queres de um bronco que apenas evoluiu academicamente?
    Continua a ser um parolo com a sua D. Maria ao lado a completar o ramalhete para não dizer pior!

    Abraço

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  12. É tudo isso que o BB diz e mais ainda.
    O pior é que o homem vai mesmo receber os subsídios devido à excepcional condição do Banco de Portugal que se rege por leis Europeias.

    Quando é que nós fazemos mesmo parte desta Europa que ora nos obriga ora nos desobriga conforme as "suas" conveniências que nunca são as "nossas" mas podem ser... as das galinhas.

    Beijosssssss

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  13. Graça minha querida
    Podia dizer que temos cá um mau feitiozinho, não é por nada é apenas porque estou de acordo contigo.
    Gosto imenso do que diz o BB.
    Mas o dito cujo só lá está porque o colocaram lá e, sabes uma coisa não sei se ele se recandidatasse se não votariam nele de novo, não é por nada mas o povo tem a memória curta senão não tinha, votado nele.

    Beijinhop e uma flor

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  14. Então estamos todos de acordo, não é? Só que ainda não chegamos para fazer uma revolução...

    Tens razão, Kinkas, também receio que, aos poucos, cheguemos à utilização do lápis azul e de outras coisas desse maldito tempo.

    Também me parece, Flor, que se o homenzinho se recandidatasse, era capaz de voltar a ganhar - como o bicho da Madeira...

    Um bronco, caro amigo Cambeta! Como compará-lo com Kissinger?

    Teté, o homem pode ser um presunçoso, não sei, não o conheço; mas que escreve bem e é certeiro, lá isso não podemos negar!

    Beijinhos anti cavaquistas para todos...

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