Esta semana, uma vez mais os jornais vieram divulgar o malfadado “ranking” das escolas. E chamo-lhe malfadado porque não gosto mesmo nada destes “rankings” e “benchmarkings” e outras desajeitadas e americanizadas comparações empresariais que entraram recentemente na direcção, gestão e avaliação das organizações escolares. Por muito que os tecnicistas organizacionais queiram e defendam, a escola não é uma empresa. Ponto.
E então, dizia eu que não gosto nada destas tabelas de escolas tendo em conta os resultados dos alunos. Primeiro porque metem no “mesmo saco” ensino público e ensino privado e depois porque classificam e desclassificam escolas premiando ou anulando todo o trabalho que se desenvolve em cada uma delas.
As dez melhores escolas deste ano de 2010 (com dos anos anteriores, claro!) são todas elas colégios. O que leva, de imediato, os pais e o público em geral a pensar que é nos colégios que se ensina bem e onde os professores trabalham mais. É, de facto, muito injusta uma conclusão destas. No ensino privado, os alunos são escolhidos à partida: primeiro têm de ter recursos para pagarem as mensalidades e, para além disso, muitos colégios, nomeadamente os de orientação religiosa, escolhem os alunos pelas profissões dos pais. Naturalmente que os filhos de pais licenciados e/ou abastados têm mais probabilidades de serem bons alunos que os que o não são – salvo raras e honrosas excepções – porque têm todo o tipo de recursos disponíveis. Mas se, por qualquer motivo, os “filhos d’algo” não conseguem corresponder à expectativas do colégio, de imediato são convidados a sair – para a escola pública, claro! que tem o dever de os receber. Alunos portadores de deficiência, mesmo sendo “filhos d’algo” não têm entrada nesses colégios porque têm direito por lei a muitos apoios que ficam naturalmente caros à direcção do colégio e, por outro lado, comprometem os resultados do colégio. Etc. Etc.
As escolas públicas têm a obrigação de admitir na sua população escolar todo o tipo de alunos, incluindo os que são “expulsos” dos colégios, os mais velhos, os retidos em vários anos de escolaridade, os portadores de deficiência e de perturbações psicológicas e sociais, filhos de famílias organizadas, desorganizadas, crianças institucionalizadas, crianças em risco, crianças em abandono, eu sei lá! Está na Constituição e assim tem de ser feito porque todos têm direito à educação. E muito bem! O que não podemos é exigir a estas crianças que tenham os mesmos resultados que os meninos seleccionados e normalizados que frequentam os colégios! Estamos ou não de acordo?
Se apresentassem uma seriação de colégios e outra de escolas públicas seriam menos injustos. E mesmo assim, continuaria a ser injusta a comparação. Isto porque não podemos comparar a população estudantil das escolas do centro das cidades – as chamadas escolas urbanas – com a das escolas do interior do país, do Alentejo profundo ou do Nordeste Transmontano, por exemplo. Não admira, portanto, que escolas como a Infanta D. Maria de Coimbra, ou a Rodrigues Lobo aqui de Leiria estejam “bem classificadas” já que recebem a população estudantil do centro das cidades e vão reprovando (enquanto não estão sujeitas à escolaridade obrigatória) os alunos que não correspondem ao “tipo liceal”.
Depois entrevistam os directores dessas escolas “in” que falam de estratégias e projectos ditos inovadores que dão como responsáveis pelo sucesso dourado dos seus estabelecimentos de ensino. Gostava, sinceramente gostava, de os ver aplicar essas estratégias e projectos aos alunos todos e não apenas aos eleitos, para ver se davam fruto.
“Regras bem definidas, acompanhamento de proximidade aos alunos e pais, trabalho de equipa feito entre os professores. Esta é a chave do sucesso da Escola Secundária Infanta D. Maria, em Coimbra” – diz a directora. Em quantas escolas se praticam estes procedimentos e em quantas o sucesso é muito menor?
Para além de tudo o que aqui deixo dito (e muito mais haveria para dizer) custa-me muito ver as tabelas das “dez piores”. Lamento pelos alunos, pelos professores e pelos directores dessas escolas. Pelo muito trabalho que, de certeza, lá é feito.
É que estas conclusões jornalísticas são cegas. Não decorrem de uma análise séria das condições de trabalho, dos recursos, dos condicionalismos sócio-familiares e psicológicos, do envolvimento sócio-cultural das escolas e de muitos, muitos mais factores de extrema importância.