Esta é mais uma história da minha rua.
A vizinha tinha (e tem) muito mau
feitio. Diziam, por eufemismo, que “tinha o nariz arrebitado”. Eu, que sempre a
conheci por dentro (e até gostava dela: se calhar ainda gosto, sei lá!) sempre
achei que o fazia por grande défice de educação e de boas maneiras.
Por de mais autoritária, gritava
tanto lá em casa que se ouvia em toda a vizinhança. Tudo a toque de caixa. A
prole tinha-lhe um “respeitinho” exacerbado que os fazia obedecer-lhe ao
minuto. Lá em casa não entrava (nem entra) ninguém – crianças então nem pensar
– porque tudo estava (e está) museologicamente exposto sem lugar a mínimas mexedelas…
De um humor altamente variável,
eram (e são…) mais as vezes que passa e quase não fala (ou não fala mesmo) às
pessoas, mesmo as mais chegadas do que aquelas em que se digna notá-las.
Algumas dessas vezes é capaz de falar sem parar, de contar chistes e de falar
nos bons velhos tempos com a maior emoção.
Amigos fazia-os com grande
facilidade e, enquanto lhe convinha eram umas amizades excessivas com encontros
e prendas constantes, até ao dia em que, por qualquer motivo, se desagradava
deles e pof! Acabavam-se as amizades…
Extremamente vaidosa e bastante
conflituosa, sempre se arrogou o direito de desconfiar, julgar e maldizer quem
quer que fosse – nomeadamente os que que eram mais próximos.
Daquelas pessoas com quem, apesar
das prendas que, por vaidade, gosta(va) de distribuir pelo Natal, nunca se
pôde, nem pode contar para nada.
Conseguiu, com os seus
comportamentos desmedidamente azedos, afastar, ao longo dos tempos, os
familiares jovens mais próximos que, já adultos, só lhe falam por educação.
Agora que – como a todos nós
sempre acaba por acontecer – a Vida lhe tem desabado em cima com toda a espécie
de maldades, quer dar uma imagem de santidade (que nunca se preocupou em ter)
como aquelas pessoas que, para o fim da vida e com o terror da morte e da
doença se viram para os deuses que sempre desprezaram. E trata de querer
branquear todo um passado de desconformidade dizendo e repetindo: «que é que eu fiz, para merecer isto tudo?»;
«qual foi o meu grande pecado?»
Entretanto, e perante educada
indiferença com que é tratada por aqueles que toda a vida desfeiteou, lamenta e diz
não entender as razões de tal distanciamento, de tal frieza de comportamentos… «Gostava de lhes perguntar que mal lhes
fiz!» - reclama continuadamente.
Não são, de facto, apenas os
políticos que pretendem branquear os erros passados…