quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Do insucesso escolar

(Desculpem, mas hoje é a doer! 40 anos de profissão, com experiência em variadíssimos campos, dão-me autoridade para dizer tudo isto e mais ainda.)

Vem esta entrada a propósito doartigo de opinião de Maria de Lurdes Rodrigues no DN de ontem em que a socióloga/professora defende o combate acérrimo ao “chumbo”.




Noutros tempos, o ensino era só para alguns e a tónica era posta num ensino altamente seletivo com reprovações em barda logo na 1ª classe para desmoralizar quanto mais cedo melhor. Essa realidade conheci-a eu desde muito cedo – anos 50 – quando a minha mãe foi dar aulas para Sintra, com 30 ou 40 alunas das várias classes na sala de aula e, apesar de a minha mãe se levantar de madrugada para passar cópias individualizadas para cada menina da 1ª classe, grande parte delas, que chegavam à escola sem saber pegar no lápis e perante as exigências do programa, tinham de repetir duas e três vezes a 1ª classe até, muitas delas, desistirem da escola.

O liceu era para as elites e para lá serem reproduzidas, por isso havia que chumbar como quem separa a flor das ervas daninhas. Os professores tinham dois objetivos: expor a matéria e classificar se ir a exame (ou não). (No meu 6º ano do liceu – que agora se chama 10º - entrámos 48 alunas na turma de Letras (63/64) e apenas onze conseguimos fazer o 7º ano completo.) Aquilo é que era ensino! Ouve-se ainda dizer.

Também eu, formada nos parâmetros dos estágios dos inícios de 70, fui ensinada a classificar e a… chumbar. Até que um dia, já aqui em Leiria, no inovador Ensino Preparatório do ministro Veiga Simão, houve uma inspetora que me mandou chamar por causa do elevado número de negativas que eu dava… Depois veio o ministro de boa memória Roberto Carneiro que instituiu o ensino obrigatório até ao 9º ano, com todos os alunos na escola cada um com as suas especificidades, as aulas de recuperação para os que não atingiam os objetivos mínimos, os currículos adaptados para os alunos com incapacidades de vária ordem e a legislação que nos ensinava a incluir e nunca a excluir. Aprendi/aprendemos a honestidade, e justiça, a transparência no processo de avaliação. Aprendi/aprendemos que avaliar não é classificar. Aprendi/aprendemos que, nos alunos, há que ter em conta não só os seus conhecimentos, mas os seus comportamentos, as suas atitudes, o esforço despendido e sei lá o que mais.

Mas nem todos aprendemos, não! Tantos de nós que continuaram e continuam a defender e a exercer o seu elitismo bacoco, o seu triste poderzinho de «ter a faca e o queijo na mão». E aqui devo apontar o dedo aos professores do «secundário» – raras as notáveis exceções – que continuaram sempre a pensar que avaliar é apenas classificar e que o objetivo número um do ensino é selecionar, separar “o trigo do joio” … [Exemplo disso, triste exemplo disso, foi o anterior ministro da Educação de má memória.]

Muitos professores não listam para os alunos a matéria que vai sair nos testes; muitos professores dão uma matéria e testam outra algo diferente; muitos professores aplicam aos seus alunos testes de colegas que não têm em conta o que foi feito nas suas aulas; muitos professores fazem testes cheios de rasteiras (até os exames nacionais vêm cheios delas…) em que muitas vezes se testa o acessório e se esquece o essencial; muitos professores – ou quase todos – vêem os testes como o único instrumento de avaliação…

E que me dizem de uma professora que está a explorar nas aulas um conto de Herculano e anunciou para esta semana uma mini-ficha sobre Os Maias que ainda nem mencionou nas aulas?


22 comentários:

  1. Acho mal!

    Lendo o texto, fica a ideia de que o professor é [ainda]o centro de todo o processo de ensino/aprendizagem. Não deveria esse lugar estar reservado ao aluno? Quanto aos maus professores sempre os houve. Felizmente, sempre houve também os bons, em grande número.

    Beijo

    Lídia

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    1. Deveria... mas não está!! Especialmente a partir do 2º/3º ciclos... Temos muito que andar até se chegar lá, Lídia.

      Beijinho.

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  2. Como sabes, esta não é a minha área! Há no entanto uma coisa que eu gostava de referir, relacionado com um certo insucesso escolar actual.
    Refiro-me à falta de maturidade (relativa à idade / ano escolar) da maior parte dos alunos.
    Eu fui um aluno médio até à 4ª classe. Acontece que feita a 4ª classe, quando o meu pai me foi inscrever no liceu, foi-lhe exigido o resultado do exame da minha admissão ao liceu . Era um exame que tinha que ser feito seguidamente ao da 4ª classe (no mesmo ano) e que só com ele se poderia ingressar no liceu.
    Resultado : tive que deixar passar um ano para me sujeitar a esse exame e não podia ser no ensino oficial (teve que ser num colégio). Acontece que (em plena altura da tuberculose) eu apanhei uma primo-infecção, tive que faltar às aulas durante todo o ano, ninguém me propôs a exame e tive que repetir (de novo) no ano seguinte.
    Perdi portanto dois anos de escolaridade.
    Quando o meu pai me foi inscrever no liceu não me aceitaram porque tinha excesso de idade ! ... Tive que frequentar o ensino particular e era mais velho 2 anos que todos os outros ! :)
    Resultado : Eu tinha uma maturidade de longe superior à de todos os outros e isso reflectia-se nos resultados escolares e assim era sempre dispensado das orais em todos os exames que fiz daí em diante !
    Conclusão : Acho que hoje se é novo demais para o ano que se frequenta e os resultados não podem ser bons (na generalidade) !

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    1. Alija-se assim a responsabilidade do professor - que é grande e dificilmente assumida, Rui. O professor pode (e deve) fazer muito pelos alunos - é preciso que queira...

      Beijinhos

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  3. Da minha experiência de aluno recordo professores "bons" que eram péssimos e de "maus" que eram óptimos.
    Tive uma competente e exigentissima nas aulas mas que nas festas dançava com os alunos. Podia ser nossa mãe. Todos gostávamos dela.
    Hoje o ensino é diferente e não o posso avaliar. Tenho conhecimento de muitos equívocos. Um deles é a comparação entre escolas inseridas em meios sociais díspares.
    Por aqui me fico mas muito haveria a dizer.
    Bj.

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    1. Os rankings, Agostinho. Do pior que se inventou! E nem sei quem foi que a cabeça pensante que o fez. Como o retorno do quadro de honra - mau de mais!!

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  4. Li o seu texto e o do link, mas sinceramente não tenho conhecimentos que me permitam comentá-lo.
    Um abraço

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    1. Obrigada, Elvira, pela sua honestidade mental. Há pouco quem...

      Beijinho.

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  5. Consigo mais facilmente julgar um pai que um professor

    Um professor tem, há sua frente, dezenas de alunos
    e atrás dele
    um director, em vez de um colectivo

    é penoso!

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    1. Nunca, em anos e anos, me queixei disso. As dezenas de alunos - que eu também tive e muitas como eu - e os "diretores" nunca me serviram de impedimento para coisa nenhuma. Trabalho e coragem é o que é preciso para enfrentar os problemas na escola...

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  6. Já aconteceu com a minha filha Mariana.
    E eu não gostei e fui à escola dizer isso mesmo.
    Não lhes reconheço o direito de testarem as crianças acerca de matérias que não leccionaram.
    Beijinhos, bfds

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  7. E não acontece nada a essa professora?

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  8. Fui professora do primeiro ciclo e para benefício de todo o processo de ensino aprendizagem...fui fazendo formação e tentabdo evoluir e aperfeiçoar e lamento que muitos docentes tenham parado no tempo!
    Bj

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  9. estou contigo...
    que a voz não te doa

    beijo

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  10. Antes de se colocar professores nos colégios, urge colocá-los em excelente escola de formação para professores que visem a "formação humana". Professor-opressor deve ser banido da educação. Mais que nunca ele deve ser um mediador de pessoas: educandos, suas famílias e demais educadores. Tem que ser fermento bom na massa! Século XXI, mestres!
    Abraço.

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    1. Muito bem dito, amiga Célia"!! É isso mesmo: formação da boa (eu tive a sorte de a receber e de a procurar ao longo da vida) e não só ensinar-lhes as novas tecnologias...

      Beijinho.

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  11. É para mim surpreendente que seja no ensino seja onde for nós ainda não conhecemos os nossos deveres e os nossos direitos...
    Acho que a profissão de professor é muito dificil e quanto ao que contas também nada posso acrescentar mas gostei muito de ler.
    bjs

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    1. É isso, Papoila, falta de profissionalismo.

      Obrigada pelas tuas palavras.

      Beijinho.

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