quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Portugal, não percas a rosa

Nunca tinha lido nada da Natália Correia a não ser uns tantos poemas dispersos naturalmente muito bons.

Lembro-me da sua força de Mátria, da sua voz sonora, poderosa, varonil, a lembrar o Ary, da sua eloquência, da sua mística açoriana, da sua sabedoria, da sua infindável cultura portuguesa, mundial, poética, filosófica histórica e simbólica –e porque não dizer (?) maçónica.

Lá no seu Botequim, onde a poesia acontecia noite após noite, reuniram-se nomes incontornáveis das Letras e da política. (Sobre este organismo vivo que era o Botequim é obrigatório ler o excelente livro do Fernando Dacosta O Botequim da Liberdade.)


Num destes dias de verão, encontrei naquelas vendas baratas de escoamento de stocks, o seu livro não percas e rosa – diário e algo mais (25 de abril  de 1974 – 20 de dezembro de 1975. Considero que se aprende muito sobre a história das épocas nos diários e nas biografias e, como me interesso muito todo pelo tempo antes e depois do 25 de Abril, trouxe-o com a vantagem acrescida de custar apenas cinco euros.

É um documento fascinante por ter sido escrito «em cima dos acontecimentos». Fascinante pelo pedaço de boa literatura que nos é dado ler. Fascinante pelo que aprendemos nível da História, da Filosofia, da Política enquanto ciência. Fascinante pela excelência na utilização da Língua Portuguesa – se bem que de muito difícil leitura.

No que toca ao conteúdo, parece-me que há que ser lido tendo em conta o facto de ter sido escrito dia após dia em cima dos acontecimentos (e que acontecimentos!) e por tal com um enorme excesso de emotividade, de pressão e de tendência pessoal – até porque se trata de um diário.

De qualquer modo, se conseguirmos embrenhar-nos pela floresta de imagens, metáforas e da linguagem algo barroca – própria de quem sabe muito da sua Língua – e nos mantivermos dentro da possível equidistância política partidária da época, tomamos contacto com muitos acontecimentos e com os seus contornos políticos e sociais. Um documento que ajudará a escrever a História.

Da análise da minha leitura, destaco alguns aspetos (nem sempre ”simpáticos”):

  • A ascendência do mundo sócio-familiar-cultural em que a autora foi criada e educada (açoriana, classe média alta, tinha cerca de 50 anos à data do 25 de Abril de 74) sobre a mundividência que imprime ao seu escrito;

  • A sua tendência para desvalorizar a forma como a Revolução aconteceu;

  • A sua antipatia «pecêpista» culpabilizando este partido [e cheia de razão] por tudo o que de pior pôde fazer para substituir a ditadura fascista que subjugou o país por mais de 40 anos por uma outra ditadura marxista-leninista;

  • O extremo simbolismo poético, sebastianista, pessoano que está incluído no título que deu ao Diário «não percas a rosa» que é também o registo com que termina o livro: «Desvenda-se o esfíngico desse olhar português e fatal com que a Europa fixa obstinadamente o Coração da Rosa. Completa-se a tua Mensagem, Fernanda Pessoa. Portugal, Portugal, não percas a Rosa.»


[A Rosa enquanto símbolo da Vida, da Beleza, do Amor, do Bem Supremo.]

A propósito transcrevo para aqui o poema O Encoberto, de Fernando Pessoa, referido por Natália na sua mensagem final.

Que símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.

Que símbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa que é o Cristo.

Que símbolo final
Mostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto.

(in Mensagem, Fernando Pessoa)

18 comentários:

  1. ~~~
    ~ Eu sempre considerei
    a linguagem barroca da Natália Correia profundamente desagradável.
    ~ Um exagerado pretensionismo e soberba impróprios para comunicar...
    ~ A pior manifestação da sua intelectualidade...
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
    ~~~ Beijinhos.~~~

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    1. Dou-te razão, Majo. Por vezes foi-me difícil continuar a leitura deste Diário pela parcialidade, a tendência exagerada, alguma sobranceria.

      Beijinho.

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  2. De Natália Correia, só conheço alguns poemas.
    Um abraço

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  3. Não faz parte da minha lista de leituras.
    Mas lá que era uma mulher de armas, lá isso era.
    Beijinhos

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  4. Gosto mais dela depois de morta , do que viva....não esquecer que estava numa bancada laranja com a seta para cima....se fosse viva , tenho a certeza que alinhava em tudo ,ou quase..
    M.A.A.

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    1. Ela diz neste seu Diário que o partido e a política dela é a Liberdade, a Poesia. Duvido que alinhasse em tudo porque ela era uma desalinhada. E fazia questão disso.

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  5. Uma mulher inteligente, polémica...e de armas!

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  6. Uma mulher controversa no seu tempo! A Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, nos anos 60, valeu-lhe uma condenação a três anos de prisão, com pena suspensa. Era uma ofensa aos costumes naqueles tempos!...

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    1. Pois foi. E também o facto de ter editado as Cartas das Três Marias...

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  7. Em tempos comecei a ler um livro de Natália Correia e desisti rapidamente: por muito bem que escreva o português, está longe de ser compreensível por todos nos dias que correm... ;)

    Beijocas

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  8. Considerando prós e contras, eu sou pró. Pró-Poesia e a de Natália Correia é das boas!

    Esse bebé aí ao lado a pestanejar, desconcentra-me. :)

    Bj.

    Lídia

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    1. Vou tirá-lo, já!!!!!
      Concordo com o «pró-Poesia» da Natália Correia - que anula decerto tudo o resto....

      Beijinho

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  9. Uma figura mítica do nosso passado recente. Carregava nas cores para se ouvir ou ser ouvida melhor. Contudo é merecedora de distinção pela coragem que demonstrou na vida pública e na política e pela obra que deixou.

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