quinta-feira, 13 de junho de 2013

Aniversários

Pela passagem do 125º aniversário do nascimento de Fernando Pessoa, deixo aqui um excerto de uma “entrevista sensacional” concedida pelo "Engenheiro Naval e Poeta Futurista” sobre “ A situação da Inglaterra – A situação da Europa – A situação de Portugal – Pontos de vista originalíssimos”, 1925, que me parece continuar bastante atual.


[ - E a situação em Portugal?


- Portugal é uma plutocracia financeira de espécie asinina. É, como todos os paizes modernos, excepto, talvez, a Itália, uma oligarchia de simuladores provincianos, pouco industriados na própria hysteria postiça. Ninguém já engana ninguém – o que é tristíssimo – na terra natal do Conto do Vigário. Não temos senão os vigaristas de praça como prova de qualquer sobrevivência das qualidades de intrujice da nação. Ora um paiz sem grandes intrujões é um paiz perdido, porque a civilização, em qualquer dos seus níveis, é essencialmente a organização da artificialidade, isto é, da intrujice. “Quem não intruja não come”; é esta a forma sociológica d’um proverbio que o povo não sabe dizer, porque o povo nunca sabe dizer nada. De resto, a sociologia também não existe. (…) Há em Portugal hoje duas correntes perfeitamente definidas e mixturadas: a que acha insuportável este estado de coisas; e a que descrê de todos os processos revolucionários para o resolver. Eis tudo. O resto é uma farça de questões pessoaes que não interessa senão a idiotas. Os homens não importam, de um lado ou de outro; o que importa é as correntes que essenciaes , que esses homens, de um lado e de outro, de uma maneira e de outra, temporariamente incarnaram. Que importa que fulano tivesse dado a sua palavra que fazia isto ou aquillo, ou alguém supusesse por ter ouvido dizer a sicrano, que parece que o soubera de beltrano, que essa palavra estava dada? O que importa é o conflicto dos paiz comsigo mesmo, a guerra civil na alma nacional. O paiz hoje quer duas coisas ao mesmo tempo: quer mudança, e não quer revoluções. É a quadratura do circulo a resolver in anima villi. (…)

in “Prosa de Álvaro de Campos”, Ática, 2012


Também a 13 de junho, mas de 1908, nasceu também em Lisboa, a pintora modernista Maria Helena Vieira da Silva, uma dos muitos artistas da nossa terra tão mal tratada por governos míopes que, uns após outros, nos têm mantido numa vivência acanhada e abatida.



Transcrevo para aqui o seu Testamento.

Eu lego aos meus amigos:

Um azul cerúleo para voar alto.
Um azul cobalto para a felicidade.
Um azul ultramarino para estimular o espírito.
Um vermelhão para o sangue circular alegremente.
Um verde musgo para apaziguar os nervos.
Um amarelo ouro: riqueza.
Um violeta cobalto para o sonho.
Um garança para deixar ouvir o violoncelo.
Um amarelo barife: ficção científica e brilho; resplendor.
Um ocre amarelo para aceitar a terra.
Um verde veronese para a memória da primavera.
Um anil para poder afinar o espírito com a tempestade.
Um laranja para exercitar a visão de um limoeiro ao longe.
Um amarelo limão para o encanto.
Um branco puro: pureza.
Terra de siena natural: a transmutação do ouro.
Um preto sumptuoso para ver Ticiano.
Um terra de sombra natural para aceitar melhor a melancolia negra.
Um terra de siena queimada para o sentimento de duração.

 

10 comentários:

  1. Até fiquei corado com a minha ignorância (o meu daltonismo não é desculpa), nunca tinha ouvido falar em garança.
    Obrigado!

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  2. Nem eu!... Coisas de artistas modernistas...

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  3. Pessoa era pessoa avisada,
    Não o perco, nem por nada
    e tem razão: "Há em Portugal hoje duas correntes perfeitamente definidas e mixturadas: a que acha insuportável este estado de coisas; e a que descrê de todos os processos revolucionários para o resolver."

    E pergunto eu, num repente: Qual é a sua corrente?

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  4. Excelente e merecidas homenagens, boa escolha Graça.

    beijinho e uma flor

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  5. Duas óptimas escolhas
    Também eu não conhecia a palavra garança...mas já fui ver.
    Já que vai de aniversários , hoje faria anos o Che Guevara.M.A.A.

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  6. Já agora Graça,o CHE faria hoje 85

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  7. É um mês de aniversários importantes para mim :)
    A dia 8 nasceu a minha filha e a dia 12 a minha mãe, do mesmo mês, o de Santo António, o mês de Lisboa.

    Beijos

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  8. Parabéns, Marta, pelos teus aniversários! Duas Gémeos é giro... se bem que com as suas duas facetas, os Gémeos nem sempre são fáceis de aturar...

    Rogerito, a minha corrente é revolucionária, já se vê! Como a sua, aliás! Por mim, já tínhamos de ter vindo para a rua nem que fosse com paus e com pedras...

    Também sou uma amante amantíssima do Pessoa/Álvaro de Campos/Bernardo Soares...

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  9. Amiga Graça dou-lhe os parabéns por esta sua excelente homenagem a duas figuras portuguesas tão importantes.
    Como pintora amadora :) adorei o testamento de Maria Helena Vieira da Silva.Conheço o corante garança mas desconhecia este texto.

    beijinho e bom fim de semana

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