sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O crepúsculo da economia mágica





Leio com especial apreço e enorme interesse os textos que o professor, filósofo e ambientalista Viriato Soromenho Marques escreve no DN e no Jornal de Letras, não tendo ainda, porém, transcrito  nenhum. Pois vou fazê-lo hoje: deixo-vos o belíssimo texto "O crepúsculo da economia mágica" - uma critica serena mas incisiva à forma como os dirigentes ocidentais têm governado os estados exaurindo o planeta - publicada no Jornal de Letras desta quinzena.

"A economia convencional, dominante nos meios universitários e políticos, transformou-se na disciplina menos credível na história académica dos últimos dois séculos. Há muito que se sabia basear-se a Economia numa negação das leis mais elementares da Física, nomeadamente, numa grosseira violação do segundo princípio da Termodinâmica. Como seria possível querer sustentar as fundações económicas vitais da sociedade no complexo desprezo pela fragilidade e limites dos ecossistemas em que toda a vida (incluindo a económica) assenta? Ora, a crença de base da Economia convencional e a do Crescimento. Um crescimento voltado para o infinito, ignorando os constrangimentos básicos da finitude da Terra. Como poderemos alimentar um crescimento exponencial, se as matérias-primas, a energia, a capacidade de absorver resíduos, e, em síntese, a capacidade de carga planetária são frágeis e finitas? Como alimentar o delírio da desmesura, quando os nossos pés continuam presos a uma terra tangível e absolutamente obediente aos ditames das eis da Natureza?

A Economia convencional não só alimentou a maior farsa científica de que há memória: procurou dar um verniz científico ao que não passa de uma patológica hubris colectiva, que ameaça devorar o mundo, como falou redondamente até nas mais básicas regras de funcionamento do sistema económico. Fracassou na aplicação de regras que ela própria julgou descobrir, ou, deliberadamente, criou. Não foi capaz de guardar a memória keynesiana para prevenir as crises cíclicas, não aprendeu nada com a história económica, nem com a sociologia e psicologia económicas. Os economistas de serviço aconselharam a tratar os agentes económicos como anjos, baixando a fiscalidade para os ricos e poderosos, desregulando o controlo do mercados, baixando a vigilância à corrupção económica, degradando a legislação ambiental e laboral.

O RESULTADO FOI a crise brutal de 2008, e a revelação da “obra” de delinquentes como Madoff ou Oliveira e Costa, que, na verdade, não passam de bodes expiatórias de práticas estruturalmente aberrantes e criminosas. Mas como foram estes mágicos e curandeiros, munidos dos diplomas das melhores Universidades, que continuaram a aconselhar os governos (cada vez mais contaminados por uma espécie particularmente virulenta de analfabetismo funcional) nas políticas de “recuperação” da crise – que eles não só não anteciparam como ajudaram a convocar – parece que já só a providência divina nos poderá livrar de cairmos numa segunda crise que, provavelmente, se tornará numa Grande Depressão. As lamentáveis peripécias europeias na danosa gestão, por parte de , Merkel e Companhia, da famigerada crise das dívidas soberanas, conjugada com a paralisia do governo federal americano pelas tribos de vândalos, eleitos nas fileiras do Tea Party para o Congresso dos EUA, não parecem augurar melhor destino.

O futuro das sociedades, das mulheres e homens que irão reconstruir o mundo, durante e depois do longo período de dificuldades em que apenas entrámos, necessitará de uma economia séria e científica. Uma Economia que restabeleça a conexão da actividade produtiva, do consumo, do mercado, com a Terra, os seu ciclos, os seus tempos, espaços, potencialidades e limites. Terá de ser uma Economia esclarecida e ilustrada. Livre de ‘especialistas’ que aconselham os governos, apesar de não terem a mínima ideia da fibra ecológica e biológica de que é feito o mundo. Será uma Economia da Sustentabilidade e da Sobrevivência. Não do Crescimento. Por um longo período, será mesmo uma Economia do Decrescimento. Teremos de fazer a nossa cura por abstinência, como os toxicodependentes que têm a coragem de escolher a vida contra a morte."

Viriato Soromenho Marques

5 comentários:

  1. O diagnóstico está traçado e a prescrição feita, resta saber se o doente se quer curar.

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  2. Uma análise profundo de como vai este nosso mundo e as consequências que todos irão sofrer de uma forma ou de outra.

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  3. Gosto muito de o ler!
    Foi um amigo especial da área do ambiente que mo apresentou numa conferência há uns anos e desde aí tornei-me sua fã!

    Abraço

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  4. Uma crônica de lucidez impressionante...

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  5. Carol
    Que futuro!!!
    Beijo bom fim de semana

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