Fez por estes dias quarenta e um anos
que mudámos para esta casa. Por essa altura já me tinha resignado a ficar cá
por Leiria para a vida e viemos para uma casa nossa. Nós dois, a filha mais
velha – com três aninhos – e a minha avó espanhola, que me criou e que comigo viveu
até ao fim da sua vida.
No ano seguinte, em Abril, chegou a
filha mais nova. Depois veio a minha mãe e partiu a minha avó.
De tudo se passou nesta casa:
alegrias – muitas; tristezas – algumas (e essas cavam sempre mais fundo);
perdas – mais que suficientes… Grandes mudanças na vida – mas a casa sempre
tudo amparou.
A minha mãe também partiu cedo, poucos anos depois da minha avó.
Mais tarde, as filhas trouxeram
namorados – que rejuvenescimento!! Grandes festas de primos e de amigos, bons Natais de família em
casa, férias juntos – inesquecíveis!
Depois, as filhas saíram para
estudar e depois disso para trabalhar – nunca mais voltaram a viver na casa. Foram
viver as suas vidas nas suas casas. Nós dois sozinhos. Na casa.
E, aos poucos, foram aparecendo os netos
que, pontualmente e sempre que preciso, animaram a vida e a casa.
Agora sobro eu. E sobra casa.
Dá-me para recordar aquele lindo poema de Ruy
Belo que diz assim:
Oh as casas as casas as casas
«as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas
das outras
distinguem-se designadamente pelo
cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos
daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta
instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
Elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas
janelas
Não sabem nada de casas os
construtores
os senhorios os procuradores.(…)»