segunda-feira, 24 de outubro de 2016

A Conspiração Cellamare

Não posso dizer que sou uma leitora assídua de Nuno Júdice. Leio com agrado muitos dos seus poemas e até comprei, por achar interessante e mais próximo do autor, um dos seus livros de poesia que tem impressos os poemas datilografados e, ao lado, manuscritos.

Confesso, porém, que vou seguindo o seu trajeto de escritor porque fui colega dele na Faculdade quando, nos idos de 66, entrámos para Letras: ele em Românicas e eu em Germânicas. Tivemos algumas cadeiras em comum, nomeadamente no 1º ano. Era muito discreto, tímido até – quem o não era nesses tempos? – e quando o saudoso Professor Lindley Cintra fazia uma pergunta nas teóricas de Linguística ou de Literatura Portuguesa e nenhum dos mais de duzentos alunos que enchiam o Anfiteatro I respondia, ele chamava: «E o Júdice, não tem nada a dizer?» E o Nuno, lá se destacava de entre as filas de neófitos e respondia. Sempre acertadamente.

Então resolvi comprar o seu último livro – “A Conspiração Cellamare”, uma novela. Gostei do que vinha escrito na contracapa do livro. Gosto de conspirações – embora não goste de conspirar nem de conspirações contra mim… – gosto de assuntos históricos e gosto de novelas. Ficam ali a meio caminho entre o conto e o romance, são vívidas e lêem-se depressa.

Logo na primeira página, escrevia o narrador/autor/personagem: «Sabia que tivera um parente remoto que andara metido em conspirações, e que talvez tivesse perdido um nom futuro nos braços de amantes parisienses…» (…) «O meu problema inicial era que eu não queria escrever um romance histórico; eu nem sequer queria escrever um romance. Seria mais uma mistura de géneros, entre o diário, as memórias e a ficção…» 

Muito bem! Isto agrada-me – pensei eu. O pior é que depois o narrador/autor/personagem (que passa o tempo todo a dizer que não sabe muito bem o que é) envereda, enovela-se (sim, que o texto é uma novela…) entra numa teia de tramas passadas (ora remotas, ora recentes) e presentes que não deixa andar a ação, a história, o fio condutor da narrativa, nem para a frente, nem para trás. Faz lembrar aquelas meadas de lã que temos de dobar para tricotar o cachecol que está tão emaranhada, tão cheia de nós, que só acabamos de dobar quando os braços já não aguentam mais estarem hirtos …

Está por de mais bem escrito – quanto a isso não há dúvida! Ou não fosse o autor professor universitário daqueles que acompanham teses de doutoramento e tudo. O problema, todavia,  é mesmo esse: a narrativa-diário-livrinho de reflexões-livrinho de viagens à literatura europeia acaba por ser um exercício diletante em que o autor pode discorrer sobre os seus amplos conhecimentos de literatura e de teoria da mesma de forma divertida e não no modo sério e algo austero em que tem de o fazer nas suas aulas e palestras.


Tudo bem. Mas, parece-me, apesar da ironia que perpassa todo o texto, não é bem isto que diverte quem o lê, não obstante as constantes chamadas ao leitor num esforço fático que, quanto a mim, nem sempre resulta. É, seguramente, uma excelente leitura para alunos e os doutorandos do Professor que os guiará pelos meandros de pensamento e de sentimento da mente de quem os vai avaliar…

(Para saber algo sobre a conspiração Cellamare:

20 comentários:

  1. Gosto dos seus poemas. Talvez até gostasse de desenrolar o novelo... Um dia.
    :)

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  2. Conheço alguns poemas dele. Mas nunca li nenhuma obra de Nuno Júdice. Infelizmente para mim.
    Um abraço

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  3. Nunca li nada do Nuno Júdice, mas compreendo a tua curiosidade já que foi teu colega.
    Pelo que descreves acho que não seria livro que me cativasse, não gosto de fios emaranhados, uma leitura tem que me prender logo do início. Não quero desta forma tirar o mérito ao autor e até vou ler com atenção alguns textos dele.

    Beijinhos Graça

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  4. Só conheço o Nuno Júdice poeta e gosto.
    Uma boa semana, Graça.
    Beijos.

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  5. Não posso dizer se gosto ou não, do poeta/escritor, porque dele só conheço o nome, Graça. Nem sequer li, alguma vez, que me lembre, um poema seu.
    Gostei, isso sim, deste teu texto em jeito de crónica literária, onde nem faltou a crítica - construtiva, obviamente.

    Agradeço os links, onde me informei desta conspiração.

    (vá lá que os espanhóis parece que já se entenderam )

    Beijinhos.

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    1. Obrigada, Janita, pelos teus "gostos". Como se fosse no facebook... :)))

      Beijinhos.

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  6. Fiquei cansada só de ler o "funcionamento" da escrita :)) penso que teria dificuldade em me manter interessada/concentrada a culpa não será totalmente do escritor... acontece tenho deficit de atenção (o que é bem desagradável) e só mesmo muito interessada é que me mantenho atenta. Gostei da tua opinião. Beijinhos

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    1. Apesar de tudo, merece a pena a leitura, pelo desassombramento das ideias e pelo fluir da escrita em muito bom português.

      Obrigada, papoila.

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  7. Também me seduziria por esta conspiração
    se a encontrasse num escaparate.
    NJ tem poemas excelentes.
    Gostei das tuas observações.
    ~~~ Beijinhos ~~~

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    1. Também gosto bastante da sua poética. Não é, todavia, de fácil leitura.

      Beijinhos

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  8. O Júdice nem sempre é fácil de ler. Gosto da sua poesia. Quanto à obra que refere que desconheço vou procurar dar-lhe uma olhadela mas não vou comprar. Confio na crítica da Graça.
    Bj.

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  9. Nunca li nada do Nuno Júdice, mas se escreve bem já é um autor para eu gostar. Prefiro uma boa escrita do que uma boa história.

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    1. Concordo. Também prefiro uma escrita bela e atraente, límpida e correta

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