domingo, 11 de setembro de 2016

Uma viagem a São Petersburgo



Não. Não fui eu que fui a São Petersburgo embora a Rússia fosse uma das minhas viagens de sonho.

Atualmente facilmente veremos as maravilhas da cidade de Catarina a Grande se fizermos uma breve pesquisa no Google. Por exemplo aqui ou aqui  ou ainda aqui.

Mas conhecer toda a radiografia da cidade a partir de um texto, uma simples crónica de jornal, só se for elaborado por quem sabe usar a língua, a escrita e o estilo. Foi o caso da crónica apresentada pelo Professor Carlos Fiolhais que, por acaso – ou não – até é uma homem das ciências…


«A primeira vez que ouvi falar de S. Petersburgo foi nas Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett, onde o burgo é associado ao frio: “Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes, de Inverno, em Turim, que é quase tão frio como São Petersburgo — entende-se.” Pois eu não viajei à roda do meu quarto mas saí até à cidade russa.

Não encontrei o frio porque era Agosto. Encontrei, isso sim, a cidade que conhecia dos livros de História: a cidade de Pedro I, o Grande, o seu fundador em 1703 numa região pantanosa à entrada no Báltico, banhada pelo rio Neva, e de Catarina II, também a Grande, que içou a então capital da Rússia aos cumes da opulência. Quem já viu palácios, igrejas e museus nas capitais europeias não viu nada até ter visto São Petersburgo. Só palácios barrocos há mais de uma centena. Imperdíveis são o Palácio de Inverno dos czares (sede de um dos maiores museus do mundo, o Hermitage) e o Palácio de Verão (a uma meia hora do primeiro por hydrofoil). Foi ao Palácio de Inverno que o cruzador Aurora, que ainda por ali permanece, atirou os primeiros tiros da Revolução de Outubro, em 1917, vai fazer cem anos. Foi no Palácio de Verão que, em 1941, Hitler quis dar uma recepção, face à dificuldade em entrar na cidade, mas Estaline reagiu bombardeando o local. Está tudo reconstruído, brilha o ouro barroco nos salões e nas fontes.

(O Palácio de Verão)


(O Palácio de Inverno - Museu Hermitage)

(O observatório astronómico)

O motorista de táxi que apanhei no aeroporto de Pulkova (perto de um histórico observatório astronómico que serviu de modelo ao Observatório da Ajuda) indicou-me até onde chegaram os blindados alemães. Agora está lá um enorme stand da Mercedes, pelo que comentou: “Sempre é melhor do que tanques”. O seu avô tinha combatido no cerco da cidade, que se prolongou por quase 900 dias, tendo tido a sorte de sobreviver ao contrário de dois milhões de russos, que pereceram mais de fome do que das bombas que caíam todos os dias, de manhã, à tarde e à noite. Ponto alto da defesa da cidade foi a interpretação, que se tornou símbolo da resistência russa, da Sétima Sinfonia de Dmitri Choskatovitch na Sala Grande da Filarmónica a 9 de Agosto de 1942. Isso não impediu que o compositor, natural da cidade, tivesse sido vítima da implacável censura estalinista. A cidade tem sido pródiga em artistas, mas estes nem sempre foram bem vistos: Paolo Troubetskoy, que fez uma estátua equestre de um dos últimos czares, respondeu assim quando mudou o regime: “Eu não sou político. Só fiz um animal em cima de outro.”

Há uma tradição sangrenta na política russa. Foi em Leninegrado, isto é, São Petersburgo, que Estaline mandou, em 1934, matar o seu número dois, o dirigente local Serguei Kirov, iniciando uma purga que dizimaria uma boa parte dos dirigentes comunistas. Já tinha sido em São Petersburgo, na Fortaleza de São Pedro e São Paulo, que Pedro I mandou torturar até à morte o seu próprio filho, Alexei, suspeito de conspiração. Foi aí que Catarina II, alemã de nascimento, esteve por trás do golpe de estado, perpetrado por um seu amante, contra o marido, Pedro III, neto de Pedro I (o czar deposto morreria meses depois na prisão), para reinar longos anos. Foi ainda aí que o filho de Catarina, Paulo I, foi assassinado, num forte que mandou construir porque se sentia inseguro no Palácio de Inverno. A Catedral de São Pedro e São Paulo, no centro da fortaleza, é o panteão dos czares, onde estão Pedro e Paulo, dois dos primeiros Romanov assassinados. Mas os regicídios foram mais. No sítio onde foi baleado Alexandre II ergue-se hoje a portentosa Igreja do Sangue Derramado. Não, os últimos Romanov, Nicolau II e a sua família, não foram mortos aqui pelos bolcheviques, mas estão sepultados desde 1998 no panteão, após funerais nacionais com a presença de Ieltsin. Foram todos santificados pela Igreja Ortodoxa.


(A Fortaleza de S. Pedro e S. Paulo)


(A Catedral de S, Pedro e S. Paulo)


São Petersburgo tem só 300 anos, mas é um concentrado de história. Nas sinistras masmorras de São Pedro e São Paulo estiveram como presos políticos Dostoievski, Trotsky e Krotpokin. A porta do Neva ficou conhecida por “Porta da Morte” pois aí embarcavam os condenados a pena capital ou a trabalhos forçados na Sibéria. O primeiro português que esteve na capital imperial russa teve sorte madrasta: António Luís Vieira foi recrutado em Londres por Pedro o Grande, que fez dele capitão da sua guarda, mas, após a morte do monarca, acabou desterrado na Sibéria. Outro português na corte russa foi António Ribeiro Sanches, que salvou a jovem Catarina II de uma doença grave antes de ela ser coroada, e teve melhor sorte. Ainda no século das Luzes, D. João Carlos de Bragança visitou São Petersburgo, tendo merecido um poema encomiástico do escritor Aleksandr Sumarokov. Depois de se referir a Homero, Virgílio e Camões, o poeta diz que “as zonas quentes são propícias à vinda a este mundo de bons poetas”. Mas ele, nascido no frio, não se conformava: queria também enfileirar na galeria.»

Carlos Fiolhais, Público 7de Setembro de 2016

23 comentários:

  1. Graça, visitei S. Petersburgo em Junho deste ano, uma das cidades em que gostei mais de estar. Tenciono voltar.
    Beijo e boa semana

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  2. Muito se fala disto cá em casa , não fosse o Rodrigo um ex-politico, ele viveu uns meses na Russia e gostaria de voltar a visitar, mas...

    Beijinho e boa semana.

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    1. Imagino!! Pena ele não escrever essas suas experiências! Preguiçosos os homens... eh eh eh eh...

      Beijinhos para vós ambos.

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  3. Quem leu o "Cerco a Leninegrado" sabe o quanto o povo russo sofreu durante esse período fatídico, mas aqui a História é outra.
    São Petersburgo é a cidade que todos gostaríamos de conhecer.

    Quem lá esteve, creio que há dois anos atrás, foi o nosso amigo CBO.
    Se ele se aperceber deste teu post, certamente há-de cá vir falar sobre algumas das belezas, cheias de História, que por lá viu.

    Perdi o comentário anterior, Graça. Este vai muito resumido, mas o que interessa é ler e não escrever!
    Obrigada por este bocado de História Universal, Graça.

    Beijinhos

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    1. Não li. Protejo-me muito de relatos de guerra e sofrimento. (Uma piegas como diria o outro...)

      Beijinhos, Janita.

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  4. Gracinhamiga

    Gosto muito do Carlos Fiolhais e deste seu maravilhoso texto - porque já estive em Leninegrado e voltei a São Petersburgo, o seu velho e verdadeiro nome. O professor Fiolhais já disse tudo; só posso quero juntar que ainda no tempo de Leninegrado fui ver o Museu do Cerco.

    Uma imagem emocionante do que foi o pesadelo dos 900 dias do cerco da cidade. As rações míseras que eram distribuídas à população e aos defensores; as armas utilizadas; o fornecimento de água pingo a pingo; os uniformes das tropas então soviéticas - estava lá tudo. Até se podia ouvir o silvo da sirene que anunciava os aviões da cruz gamada, numa gravação!

    Quando voltei a São Petersburgo foi em serviço do DN a um congresso dos "velhos comunistas"; por isso não tive tempo para ver se ainda havia o Museu. Tomara que ainda exista. Para destruição já baou o Cerco. Durante 900 (volto a escrever - NOVCENTOS dias)!!!

    Bjs da Raquel e qjs do Leãozão muito fanado

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    1. Este Henriquamigo já espiolhou quase o mundo todo... e eu aqui tão gira e nem à Rússia fui! Eh eh eh eh....

      Agora a sério: quem me dera ter já viajado por esse locais todos por onde andou! Que bom deve ter sido!

      Beijinhos de leoa para Leãozão...

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  5. E que linda viagem mental você nos proporciona, Graça! Obrigada!
    Abraço.

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  6. Quero lá ir.
    Talvez daqui a dois anos a caminho de mais uma visita a Portugal...
    Beijinhos, boa semana

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  7. Maravilhosas fotos e descrição de uma interessante e linda viagem.Bela escolha de lugar! abraços, chica

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    1. Obrigada pela visita, chica! Conheço você de comentários em outros blogs. Mas a menina não tem duas meninas, uma das quais é Elisa? Se calhar estou a fazer confusão com outra chica...

      Beijinho

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  8. Uma viagem fantástica a todos os níveis esta que nos proporcionaste amiga Graça.
    Não fui nem sou muito dada a viajar, mas agora com a net fica tudo ao alcança do nosso olhar.

    Um beijinho e boa semana

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    1. O quê, uma Carneiro «metida em casa»?! Não é possível...
      Eu cá, se tivesse mais dinheirito, havia de visitar uns locais valentes...

      Beijinhos

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  9. Com este magnífico texto de Carlos Fiolhais e com as fotografias fui até São Petersburgo sem sair da minha cadeira. Não é a mesma coisa, eu sei. Mas obrigada por esta viagem maravilhosa.
    Uma boa semana.
    Beijos.

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  10. Graça, Primeiro pensei que tinhas ido buscar a Monalisa :) mas depressa compreendi que iamos todos viajar sentados nas nossas poltronas. A cidade é grandiosa felizmente que podemos dar estes passeios virtuais pois pelo menos para mim não vai ser possível lá ir pessoalmente!
    bjs e boa semana.

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    1. Eh eh eh eh... gostei dessa de ir buscar a Mona Lisa, aquela maluca...

      Ainda bem que apreciaste «a viagem». Beijinhos

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  11. O enquadramento histórico da cidade está muito interessante,
    Fiolhais - prepara as suas viagens com esmero.
    É tudo muito brilhante e deslumbrante, mas para ser apreciado...
    com muito vagar.
    A minha irmã esteve lá recentemente no verão e queixou~se
    das filas intermináveis para entrar nos museus.
    Putin, amicíssimo dos líderes ortodoxos, tem gasto fortunas
    a recuperar edifícios que os governos anteriores deixaram
    degradar profundamente, ainda assim, anda o turismo de mão
    dada com o comunismo.
    ~~~ Beijinhos lusos ~~~

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  12. Sei que quem a visita...nunca mais se esquece!!!
    Gostei da partilha!!!
    Bj

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