terça-feira, 2 de agosto de 2016

Mas que raço de gente são os professores?

Ontem, um senhor juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra decidiu dar provimento a duas providências cautelares propostas por colégios privados da sua área contra a decisão do Ministério da Educação de não permitir a abertura de novas turmas de início de ciclo em colégios que estejam situados na área pedagógica de uma escola pública.



O ME quer ver o dito juiz afastado do processo pelo facto de a sua filha ser aluna num desses colégios (Ançã, onde reside o magistrado) e por ter, em 2012 apresentado ele próprio uma ação contra o ME defendendo para a filha o direito de frequentar o colégio com contrato de associação, beneficiando assim do pagamento do Estado.

Logo veio o tribunal superior em defesa do senhor juiz «porque o juiz está vinculado a deveres de imparcialidade (…) por isso não pode ser considerado suspeito por ter já assumido uma pretensão idêntica em processo anteriormente dirigido a um tribunal.»

Independentemente de esgrimir aqui as minhas (e as dos outros) opiniões sobre este caso (que, por a caso, me cheira a esturro) lembrei-me imediatamente dos professores. De facto os senhores juízes são tidos por (quase) toda a gente como pessoas sempre acima de qualquer suspeita.os professores, desses, coitados, todo o mundo suspeita. De tal modo que, se um professor tiver um parente (mesmo afastado) a frequentar um ano em que haja lugar a exames nacionais, fica proibido de estar ligado a qualquer dos momentos do processo de exames. Lembro-me da minha última vice-presidente (essa sim, pessoa acima de qualquer suspeita, podem crer) que, num ano em que tinha um primo em 2º grau a realizar exames do 9º ano lá na escola, nem assinava as convocatórias dos professores para o serviço de exames para não ser repreendida por uma eventual inspeção.

É que juiz pode decidir «a favor da vidinha da filha» porque «está vinculado a deveres de imparcialidade». Já professor… enfim… há que desconfiar dele sempre!

Ai, ai!

14 comentários:

  1. Excelente artigo de opinião, Graça.
    Inteiramente de acordo.
    ~~~ Beijinhos ~~~

    ResponderEliminar
  2. O juiz devia ter pedido escusa nesse processo, Graça.
    Quando há interesses próprios envolvidos é isso que manda a deontologia e a lei.
    Beijinhos

    ResponderEliminar
  3. Fui pesquisar a notícia e, surpresa das surpresas, conheço muito bem o juiz.
    Foi aluno (é um ano mais velho que eu) no mesmo colégio que eu fui.
    Conheço bem o tipo, a família (o irmão mais novo foi meu colega de turma) e pensava que tivesse mais sensatez do que demonstra.
    A decisão não me surpreende nada, conhecendo como conheço a pessoa, a família.
    O que me surpreende é que tenha sido ele a tomá-la.
    Como é que não pediu escusa do processo??
    Juiz em causa própria é sempre muito mau presságio.
    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Parece que ontem correu o desmentido de que qualquer das providências cautelares fosse do colégio que a filha frequenta. De qualquer modo, a questão põe-se porque, mesmo não sendo o colégio da filha, foram outros e há que passar em julgado para atingir o objetivo (que é também o do senhor juiz)

      Eliminar
  4. Muito bom texto e que eu "assino" por baixo.
    Os "acima de qq suspeita" deveriam saber estar para que não se tornem suspeitos ou, pelo menos, não transmitirem dúvidas pelos seus comportamentos/atitudes...

    Beijinhos.

    §-sempre pelos professores! ;))

    ResponderEliminar
  5. Atitude lamentável... E, como dizem: a corda arrebenta sempre do lado mais fraco... A do professor, então, é uma corda elástica e desgastada pela ação do tempo onde educar, valores morais, perde o valor!
    Abraço.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sem dúvida, Célia!
      Tantas vezes, perante o desconcerto do mundo e dos homens, que passam por cima da cabeça dos outros se for preciso para alcançarem mais um «objetivo», penso se fiz bem em passar o modelo de valores que tentei passar aos meus alunos...

      Eliminar
  6. Ora viva.
    Primeiro, que bela epígrafe, a desta excelente crónica: "mas que raço de gente..."!!!
    Agora, bestial, bestial é a redacção do despacho do Tribunal: "porque o juíz está vinculado por deveres de imparcialidade..." Ora toma, Agostinho, e vai aprender direito.
    Todo o cidadão está vinculado a deveres que advêm da Lei; se não os cumprir chilindró com ele. Mas há excepções para que se cumpra a regra.
    Segundo: grato pelas visitas ao meu "quimbo" (ando a ler as cartas do Lobo Antunes à mulher quando andava desterrado em Angola).
    Terceiro: boa praia que o mar está de feição.
    Bj

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Esta expressão «que raço de...» é bem leiriense e eu acho gira!
      E não tem nada de agradecer as minha visitas ao seu espaço; eu é que agradeço e muito a beleza, a complexa singeleza dos seus poemas...

      Beijinho.

      Eliminar
  7. gostei do texto: juízes e professores (como qualquer outro funcionário público) estão vinculados ao dever de imparcialidade no respectivo exercício de funções.

    acontece que as funções dos juízes são funções de soberania o que não acontece com as funções lectivas.

    logo a gravidade de violação do princípio da imparcialidade ganha "densidade" diferente no caso dos juízes e dos professores, com ónus mais grave para juízes.

    enfim, desculpa se me excedi, mas "jurista" herético não perde oportunidade de exibir "sapiência" rsss

    beijo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Aqui de nada tem de se pedir desculpas. Eu é que agradeço o ponto de vista objetivo e certeiro de jurista «heretico»..... :))

      Eliminar