Estive a ler um extraordinário
texto da escritora, professora e crítica de literatura Joyce Carol Oats (JCO), americana,
na Revista Ler, Inverno 2015-2016, também extraordinariamente escrito em
português (porque uma boa tradução, uma boa transposição de uma língua para
outra também deve ser dignamente elogiada) por Sofia Gomes, intitulado «Inspiração e Obsessão na Vida e na Literatura».
O tema – que me encanta e sempre
encantou – é “construído em torno de perguntas: porque escrevemos? Qual o motivo da
metáfora? «Onde vai buscar as suas ideias?» Escolhemos os nossos temas ou são
os nossos temas que nos escolhem? Escolhemos as nossas «vozes»?”
A autora mergulhou até à primeira
metade do século XVIII para fazer emergir Alexander Pope, poeta inglês, que desde
criança «ciciava em verso, pois os versos surgiam-me», visitando também os românticos
Wordsworth e Coleridge e passando depois aos poetas americanos e à forma como
escrevem e porque escrevem. Grande destaque dado ao escritor Herman Melville,
autor de Moby Dick e da influência que nele teve Nathaniel Hawthorne.
Referências importantes a Virginia Woolf e a Emily Dickinson.
Muito bom! Aconselho a sua
leitura a quem se importa com estas coisas da literatura. Garanto que quase
aprendi mais sobre a literatura norte-americana com este belíssimo artigo do
que num ano letivo na Faculdade…
Das muitas ideias lá plasmadas e imensamente
bem explicadas, deixo aqui uma das que mais me agradaram: «Há tanta literatura que tem
origem num desejo de aplacar a saudade, num desejo de assinalar lugares,
pessoas, infâncias, família e rituais tribais, modos de vida – decerto a
principal inspiração para todos: o desejo, em alguns escritores a necessidade
de captar o que na vida é perecível. Embora os grandes modernistas – Joyce,
Proust, Yeats, Lawrence, Woolf, Faulkner – fossem revolucionários quanto à
técnica, os seus temas estavam ligados às suas próprias vidas e às suas
próprias regiões; o modernista é aquele que tende a usar a sua vida íntima na
sua arte, partindo do ordinário para formar o extraordinário.»
Entretanto, vou transcrever um
poema de Dickinson, um dos vários referidos por JCO no seu artigo e que,
parece-me, tem muito a ver com os trágicos acontecimentos que têm assolado a
Europa nos últimos anos e ainda ontem.
«Uma ratazana abandonou aqui
Uma breve carreira de aplauso
E fraude e medo.
De merecida vergonha
Que todos nós dependentes
Nos acautelemos.
A ratoeira mais obediente
À tendência para romper
Não resiste –
A tentação é o amigo
Repugnantemente abandonado
Por fim.»