quarta-feira, 28 de outubro de 2015

E os que pensam?

Ao contrário de ontem que evoquei o nosso Eça para vincar a ideia de que «uma nação só vive porque pensa», hoje deixo aqui a ideia oposta: porque não falam os que, na nossa nação, pensam. Ideia muito bem plasmada no artigo «Porque não falam?» de Sérgio Figueiredo no DN de 2ª feira. 

Trazendo à nossa presença a inesquecível conversa de Almada Negreiros com os três criadores do popular programa Zip-Zip nos anos 60, em que o último poeta de Orpheu vivo explicou como se formou o grupo «futurista e tudo».

«À pergunta de Cruz "Como tinha nascido o grupo, com se aproximaram" aqueles intelectuais, pensadores e artistas, a resposta de Almada: Quando algumas pessoas têm a mesma desgraça, juntam-se.»

E o jornalista continua: «Não sabemos qual a desgraça que aproxima os intelectuais de agora. Por onde andam? Esta elite e as outras? Porque ficaram mudos? Do que se escondem? Quem são os libertinos do nosso tempo, os diferentes, os corajosos e até os tresloucados que abalam o estado de graça?  (…)

Não há Almada nos ventos que passam. Nem Natália Correia a chocar os bons costumes, o truca-truca, o deputado Morgado encavacado, nem Alegre que ninguém o calava e, no final, só se ficou a ouvir Cavaco. (…)

Temos pintores a pintar, arquitetos a arquitetar, escritores a escrever, atores a atuar, encenadores e realizadores, músicos a tocar, mas ninguém a desafinar. A desafiar os sons do silêncio. Falta-nos Luiz Pacheco, que dizia o indizível. Ou Mário Viegas, que boicotava o politicamente correto. Artes e Letras, mortes lentas, já nem corretos são no seu politicamente hoje. Eunucos, consciência cívica zero. Participação social é um post trivial na página do facebook.

Não é para Julião Sarmento ou Cabrita Reis dizerem se preferem a coligação ou o Bloco. Não se trata de pedir a Souto de Moura que comente o discurso do Presidente. Ou a Eduardo Gageiro que vá fotografar as portas que Abril abriu. Não é preciso saber se Sérgio Godinho tornou a votar Jerónimo ou não resistiu à barriga prenhe de Joana. (…)

O alheamento das elites empobrece-nos. Fica mais pobre a sociedade sem pensamento e sem confronto de ideias. E perde o norte o país em que a elite se resignou. Ou se acomodou. Ou se acobardou. Ou apenas anda a tratar da vidinha. (…)


Centenário de Orpheu. Fernando Pessoa. Banqueiro anarquista. República. Monarquia. A quem ouvimos hoje o atrevimento de gritar: o rei vai nu!?! A elite está amorfa, recolheu-se por sua livre e espontânea vontade.»


26 comentários:

  1. Boa malha,
    silenciam-se os que deviam, nesta hora levantar a voz, intervir... Contudo, criar fracturas no eleitorado
    é mais possível desde que não se fracture o mercado...
    as Editoras
    permanecem atentas, no fim de contas
    (mas há honrosas excepções)

    ResponderEliminar
  2. Lembro-me bem do programa Zip-Zip de Carlos Cruz, Raul Solnado e Fialho Gouveia. Não me lembro é dessa entrevista a Almada Negreiros.
    Mas lembrou-se o Sérgio Figueiredo e fui lá ler a sua Crónica.

    Será que o motivo porque agora os intelectuais se calam, não se unem nem criam um movimento que represente de forma unânime a vontade nacional, porque se acomodaram, porque se desinteressaram e anda cada um a olhar para o seu umbigo ou acham que está tudo bem, tudo alegre e infiltrados a puxar cada um para seu lado?

    Orpheu, agora, só se for o da Mitologia grega e sem Eurídice.

    Beijinhos pensadores!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Isto há de dar a volta, Janita! Oxalá ainda seja no meu tempo!

      Beijinhos esperançosos.

      Eliminar
  3. Lembro-me de ver em directo o programa em que Almada esteve.

    Gostei de ouvir Pacheco Pereira hoje na RTP até porque pôs ems entido o palerma do jornalista.

    Bons sonhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também me lembro bem desse Zip-Zip com o Mestre Almada. Aliás vi todos os Zips - foi uma verdadeira pedrada no charco de lama dos anos 60!

      O Pacheco Pereira foi único! O que ele mudou! (ou não...)

      Eliminar
  4. São muito poucos os pensadores verdadeiramente livres, Graça.
    A maioria ou vive engajada, com agendas próprias, muitas vezes de pura vingança.
    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Somos um povo estranho, Pedro. Medroso, cabisbaixo, egoísta, invejoso, vingativo... Por isso o Cavaco foi eleito para tudo e mais alguma coisa durante 30 anos. O povo reviu-se nele. Uma pena.

      Eliminar
  5. Pensadores ninguém lhes paga. É melhor ser político, abotoam-se à vontade e criam leis que os protegem.
    - Que se lixe o povo...

    ResponderEliminar
  6. Lembro-me bem do programa. Não perdia um. Era o tempo em que fazia algum sentido ver TV. Contrariamente ao que hoje acontece.
    Os pensadores de hoje, ausentaram-se do País. Ou fisicamente,por razões várias, ou moralmente, deixando-se corromper pelo poder instituído
    Um abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bem dito, Elvira! O Zip foi, de facto, uma coisa única naqueles tempos de névoa e tristeza.

      Beijinhos

      Eliminar
  7. Está tudo a dormir embalado pela voz suave do patrono mor , Cavaco...
    Sabe , aburguesaram-se e estão à espera que a Maria os indique para o próximo prémio ou viagem...sim , atrás de um grande homem há uma grande mulher , então não há ?
    M.A.A.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Uma «apagada e vil tristeza» - dizia o nosso poeta maior...

      Eliminar
  8. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  9. Olá Gracinha

    Lindo o seu texto. Cheio de conteúdo; recordações, alertas, e tristes constatações. Até rimei sem querer.
    Recordo-me bem das entrevistas na T. V. e dessa com o grande Almada Negreiros, na altura já idoso, e ainda com um raciocínio brilhante.
    Actualmente a T. V. é diferente... por mim já tinha desligado esse aparelho cá em casa.
    Também gosto de vez em quando, voltar aos livros do "nosso" Eça - fiquei apaixonada desde nova...
    Grata pelas visitas no meu birras.
    Beijinhos.
    Dilita

    ResponderEliminar
  10. Não acredito em elites, Graça, embora perceba o que querem dizer. Acredito em gente com a coragem de não se conformar. Mas este é um país tremendamente calado...
    Um beijo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também «acredito em gente com a coragem de não se conformar», mas o que ganham com isso a não ser boa consciência? Às vezes soa a pouco...

      Beijinho

      Eliminar
  11. Excelente texto! Destaco: "O alheamento das elites empobrece-nos. Fica mais pobre a sociedade sem pensamento e sem confronto de ideias. E perde o norte o país em que a elite se resignou. Ou se acomodou. Ou se acobardou. Ou apenas anda a tratar da vidinha. (…)"
    Aplausos!


    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada, Célia, pelos seus comentários. Acredito que por aí, no seu belo país, aconteça o mesmo. Infelizmente.

      Beijinho.

      Eliminar
  12. Gracinhamiga

    Será que o meu silêncio incomoda? Se sim, façam o favor de me suicidar; se não ,,,fiem-se na "virgem" e depois venham queixar-se que o toucinho tem bicho.. Esta "tirada" é mesmo do Marco António Costa... Quem diria...

    Extraordinário texto; Gracinhamiga; quando for grande quem me dera escrever assim..Parece que o tempo não para trás, cantava o António Mourão e ao mesmo tempo havia o Zip-Zip talvez o melhor programa que passou e passeou na RTP.
    .
    Intelectuais? Só se forem excedentários...Falam, falam, falam - e ninguém diz nada,,,(RAP) Espero que esta frase publicitária não se aplique ao sôr Silva.

    Bué da fixe, Gracinhamiga

    Bjs da Raquel e qjs do Leãozão


    .

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Henriquamigo, welcome back!!! Cadê o seu blog da Travessa, já se sabe o que aconteceu?! Espero bem.

      Beijinhos e abraços.

      Eliminar
  13. Subscrevo o comentário do Pedro.
    Excelente reflexão!

    Um beijinho, Graça :)

    ResponderEliminar
  14. Tal e qual, já não há (?). Ponho a interrogação entre parêntesis porque ponho a hipótese de estar eu cristalizado num modelo e pensamento do passado.
    Mas concordo em absoluto com o artigo. De facto, há já uns bons anos, dá-me a impressão que houve uma domesticação por força dos interesses económicos pessoais da nata e ficam-se de pantufas calçadas no não te rales.

    ResponderEliminar