segunda-feira, 25 de maio de 2015

Poema matemático

Não, desta vez não venho desfeitear o ministro (C)rato, nem pôr em causa os exames de matemática e menos ainda os professores da dita. Sou de Letras, bem sabem…

A questão é que hoje sinto-me tão abatida (sei lá porquê) que, porque sou de Letras, antes que ponha aqui um Antero ou um Ruy Belo que vos deixe ainda pior do que eu estou, é melhor lançar mão da Trigonometria Amorosa que essa sim, é escorreita, exata, linear e amoral (Cuidado! Atenção! Eu não disse «imoral»!)


Vejam se gostam.

TRIGONOMETRIA MATEMÁTICA

Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.                                                  


Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base...
Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.

Fez da sua
Uma vida
Paralela à dela.
Até que se encontraram
No Infinito.

"Quem és tu?" indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode chamar-me Hipotenusa."

E falando descobriram que eram
O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs
Primos-entre-si.

E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas sinusoidais.

Escandalizaram os ortodoxos
das fórmulas euclidianas
E os exegetas do Universo Finito.

Romperam convenções newtonianas
e pitagóricas.
E, enfim, resolveram casar-se.
Constituir um lar.
Mais que um lar,
Uma Perpendicular.

Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e
diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral E diferencial.

E casaram-se e tiveram
uma secante e três cones
Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
se torna monotonia.

Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum...
Frequentador de Círculos Concêntricos
Viciosos.
Ofereceu, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.

Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo,
Uma Unidade.
Era o Triângulo,
chamado amoroso.
E desse problema, ela era a fração
Mais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu a
Relatividade.
E tudo que era espúrio passou a ser
Moralidade.
Como aliás, em qualquer Sociedade.

(Millôr Fernandes)

17 comentários:

  1. Millôr Fernandes, sempre o admirei...mas desconhecia este seu poema.

    Bons sonhos ...em harmoniosa geometria :)

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  2. Dois catetos para uma só hipotenusa
    O verdadeiro triângulo amoroso
    a que Millôr não ligou

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  3. A isto chama-se criatividade em estado de puro.

    Não conhecia. Adorei!

    Um beijo

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  4. Gracinhamiga

    O Millôr era o máximo sem divisor nem comum. Adoro aquela frase que também é o máximo, sem hipotenusa nem catetos: Viver é desenhar sem borracha...

    Qjs do Pernoca Marota

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  5. OI GRAÇA!
    NÃO CONHECIA ESTE TEXTO DO MILLÔR, GOSTEI.
    ABRÇS

    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  6. Considero este poema a obra-prima do brasileiro Millôr Fernandes, que para além de poeta e escritor foi um excelente cartoonista.

    Gosto tanto desse Poema Matemático que também já o publiquei AQUI.

    Intitulei-o "Triângulo Amoroso" e etiquetei-o como Amor ao Quadrado.

    Bons tempos, esses, em que eu delirava com a blogosfera! Ando a perder o entusiasmo...vá-se lá saber porquê!!

    Parabéns, pois, pela escolha, Graça!

    Beijinhos.

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  7. Millôr Fernandes é um génio.
    Ao quadrado, ao cubo, à enésima potência.
    Beijinhos, boa semana

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  8. Excelente! Não sei é como é que o Millôr ficou com o lápis depois de tamanha demonstração.

    Bons dias para o que mais convier.

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  9. Estão a ver que afinal a matemática até é poesia ? ... rsrs ... porque raio é que poucos gostam dela ? ... e é tão, mas tão, fácil !!! ...
    .

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  10. Coisas da matemática elevadas ao quadrado...como só Millôr Fernandes sabe.

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  11. Já conhecia ( sou fã do Millôr Fernandes), mas gostei imenso de recordar.
    Boa semana, Graça

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  12. Falar mais nada... Millôr é "o cara"...
    Imagino o tempo em que se dedicou sobre tamanha criatividade!
    Abraço.

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  13. Este poema levou-me a viajar para um texto que em tempos escrevi (já lá vão quase 8 anos): http://koktell.blogs.sapo.pt/611.html
    Claro que não é a mesma coisa pois o Millôr é o Millôr e eu... eu serei um reflexo de uma qualquer coisa que despertará (?) algum interesse.
    Além disso sempre fui mais dado à geometria do que às matemáticas ó_ò
    Beijinhos equacionados com sorrisos :))

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  14. Caros amigos, feliz por terem gostado desta minha escolha. De facto o autor é IMENSO!!

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  15. Millôr Fernandes, criativo e ousado. Claro, integridade a licença poética.

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