segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Numa mesa de voto


Fui indigitada para fazer parte de uma mesa de voto. Noutros muitos anos recusei porque enquanto trabalhava na escola não pensava em “acumular” outras quaisquer funções para além das familiares e das profissionais. Mas desta vez, lá me resolvi apesar do desconforto – que outrora não o era – de ter de me levantar às seis da manhã.

Foi um pedaço de divertimento e um enorme pedaço de observação de comportamentos humanos que é, e sempre foi, dos meus passatempos favoritos.

A população que votava na “minha” mesa pertencia à faixa dos trinta e tal – quarenta e tal anos, gente nascida depois de Abril ou sem lembrança da vida de antes de Abril, com filhos ainda pequenos. Assembleia de voto numa freguesia de grande dimensão com uma já reduzida faixa rural, uma grande faixa de “dormitório” da cidade e uma outra já algo esbatida de bairro social construído às pressas nos idos de 75/76 para albergar os chamados retornados de classe baixa.

Uma grande amálgama, não é? Por isso tivemos o trabalhador que se perfilou, hirto e rígido, ali logo às oito da manhã – ainda mal nos tínhamos organizado para a função dada a inexperiência de todos os elementos da mesa – para votar porque tinha de se apresentar ao trabalho; tivemos a simpatia e o à vontade da mulher do número dois da Câmara levando pela mão o filho mais velho, que o mais novo foi com o próprio do número dois votar à sala em frente, como a discrição e simplicidade do diretor do Hospital e da mulher, minha colega; tivemos pessoas tímidas que ficavam à porta da sala à espera que lhes fizéssemos sinal para avançarem; a jovem obesa que chegou quase trémula e se encostou à mesa para receber os boletins como que a dizer «não reparem em mim!» e a outra, vestida quase de odalisca de gordurinhas da barriga à mostra, a querer dar nas vistas sem que para isso tivesse motivos; o meu ex-colega de trabalho que se recusou sequer a dar os bons-dias; mães com meninos bem comportados a dizer que também queriam votar; um pai muito bem-apessoado com três filhos, um dos quais ao colo, que teve de levar os três para a exígua câmara de voto; a mãe (complicada) de um ex-aluno para lá de complicado que me visitou vezes sem conta no gabinete da direção da escola e que ali me olhou como se nunca me tivesse visto; as pessoas que entravam ali e nos cumprimentavam de mão; os que nos conheciam e nos cumprimentavam com beijinhos; o senhor que ali entrou tenso, quase em crispação e, sem mais, disse «Isto está tudo muito mal organizado!» «Mas de que se queixa?» «Nada! Isto é cá uma ideia minha, está tudo mal, tudo mal!»

E mal sabia ele que ninguém nos informou das nossas funções, do nosso trabalho, nem como organizarmos o atendimento e realizarmos as várias tarefas. Mal sabia ele que o presidente da mesa (e muitos das restantes) era um jovenzinho – por sinal bem esforçado e responsável – que, tal nós todos, estava na ignorância absoluta do que tinha para fazer. Mal sabia ele que, para realizar todos os procedimentos, nem papel de rascunho, nem canetas, nem lacre, nem cordel, nem fita-cola, nem nada nos forneceram. Mal sabia ele que a ausência de informação aos elementos das mesas foi extensiva aos elementos da Junta de Freguesia…

Isto para não falar dos quase 60% de votantes que não compareceram para votar na nossa mesa; dos disparates que escreveram nos boletins; das pessoas que nem sabiam o seu número de eleitor; ah! e daquele  jovem nos seus trinta e tal que pegou nos boletins de voto e perguntou: «Como é que se vota em branco?»


Ai este povo!

17 comentários:

  1. Depois "disto"... as próximas serão mais cedo do que o previsto?

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  2. Já fiz parte de mesas de voto, mas actualmente não tenho paciência. Egoísmo, talvez...

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  3. Estimada Amiga Graca Sampaio,
    Eu nunca votei em toda a minha vida, mas faz já uns 35 anos ou mais,foi nomeado como presidente de uma mesa de voto, para as eleicões legislativas portuguesas, foi um nova experiência, e com isso, apesar das longas horas em pé, ainda ganhei para o almoco.
    Tenho uma foto, mas atenho no pc lá em Macau.
    Abraco amigo

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  4. Pois parece que a Graça estava atenta a tudo e os seus olhos fotografaram cada um e cada grupo.
    Por vezes até na rua nós podemos observar muitas coisas mais, mas não me dou a esse trabalho.
    Lá fui com a minha mulher e quase numa operação relâmpago, entrámos e saímos. Apenas o tempo necessário para umas cruzes. Era Domingo e mal ficava não fazer mais algumas cruzes, quem sabe ...
    - Alguns crucificados...

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  5. Pois eu sou dos que compareceu na mesa de voto só com o meu cartão de cidadão. Nº de eleitor? Então, mas não há uma lista dos eleitores ordenada alfabeticamente? Ao menos isso? Então e o Simplex ainda não chegou ao MAI?

    Lá me valeu a Internet. Por acaso até estava ali ao lado...

    Leiria e a União não se apresentou com alternativas ao PS. Sem qualquer hipótese...

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  6. Gostei muito desta descrição pormenorizada da tua estreia numa mesa de voto! Acredita! Parece que estou a ver a cena!
    Na minha terra natal (Vieira do Minho) a Câmara passou do PS para PSD. São coisas que acontecem!... Fiquei com uma sobrinha como nº 2, mas espero nunca precisar de pedir favores...
    Eu voto no Porto e venci.

    Beijinhos

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  7. Uma reportagem "deveras assaz" interessante!
    Pelo contrário, pela primeira vez fiquei de fora da assembleia de voto onde sempre estive como elemento de mesa ou "fiscal" do meu partido!
    Também tenho histórias bem engraçadas como "irmãzinhas" "cegas" que têm que votar acompanhadas e depois são acompanhantes doutras "cegas"! :)
    Cheguei a protestar votos...enfim!
    Mas sempre tivemos toda a informação/formação necessária!
    Na minha freguesia está a esbater-se a "idade" na mesa de voto por causa do Cartão de Cidadão.
    Dantes estava na mesa um agora estou na sete, temos oito, já o meu parceiro continua na um porque ainda tem BI...
    Desculpa lá tanta conversa da treta!

    Abraço


    Abraço

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  8. Dir-se-ia que nas mesas de voto, é um bom lugar para observar a educação deste nosso povo, que se revela em todos os momentos, mas aqui em particular.

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  9. Curioso esse ponto de vista das "idades" por sala ! rsrs... Eu estou na sala 2 (em 16) ! eheh Curioso, porque cada sala deve ter curiosidades particulares e inerentes às idades, diferentes ! rsrs
    .

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  10. Ainda mais isto : Acho (opinião pessoal) que votar intencionalmente em branco ou nulo, é um autêntico disparate ! Já repararam que após as eleições se fala é nas abstenções ?!
    Tenha-se em conta que os partidos e os políticos apelam ao voto porque sabem que cada um (seja ele num partido, ou em branco, ou nulo) representa um pagamento do Estado (ou seja, eu e vocês) aos partidos , da ordem dos cerca de 3,15 € !!!

    Façam as contas e vejam quanto os partidos vão receber ... e foram mais 6,30€ que me saíram do pêlo !

    No dia em que a abstenção for de 70%, aí sim os partidos terão a prova evidente daquilo que representam ! Enquanto assim não for, encantados da vida ! :))) Eles são "os maiores" !
    .

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  11. Que belos comentários os de todos vós!

    Que bom, Sonhadora, que ajudaste a correr com o choramingão do Menezes!

    Leo, também já estive nas mesas como delegada do meu partido, mas não teve a mesma piada. Aparece de tudo!

    As-Nunes, também cheguei a pensar que o cartão de cidadão era suficiente para tudo, mas cheguei à conclusão que tínhamos de saber o nosso n.º de eleitor. O simplex "foi-se" com o Sócrates, como muitas outras coisas boas...

    O Rui da Fonte tem razão, mas se não votarmos, mesmo que isso dê vantagem aos políticos, depois não poderemos reclamar e exigir. Votos nulos e em branco? Também não aceito, mas... o povo é quem sabe.... (dizem!)

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  12. Ora aqui está amiga Graça, um domingo muito bem passado :)
    E documentado! :)


    beijinho

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  13. Estive a ler e a ver passar todas essas personagens (que nós somos). A "melhor" para mim foi sem dúvida a do senhor que reclamou. De nada, mas reclamou! :))

    P.S. Hoje há sardinhas do Algarve... :)

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  14. Como te compreendo: também já passei por essa experiência.

    Desde obscenidades escritas /desenhadas a insultos passando por tudo quanto se possa imaginar vi de tudo nos Boletins,

    Como se vota em branco?? Bem, a cultura do país está pior ainda do que eu receava,

    Abraços

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  15. Gracinhamiga

    Fiz parte de uma mesa de voto nas eleições para a Assembleia Constituinte. Foi uma Alegria e uma Felicidade. Na altura as bichas (hoje dizem filas...) eram enormes, mas o pessoal estava contente por poder votar.

    Nas primeiras fiz parte da lista do PS, em 51.º lugar... Mesmo assim, estive na Redacção do DN durante 36 horas consecutivas, só com um intervalo para ir votar. E outros, minúsculos, para ir à casa de banho.

    E no fim, ainda tive pachorra para ir fazer bifanas para toda a gente, na cozinha do refeitório. E a malta gostou, comeu que se fartou e bebeu idem, idem, aspas, aspas. Isso sim, isso eram eleições: E foi a primeira vez que votei politicamente. Adorei!

    Qjs

    Henrique

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  16. "Ai este Povo"!
    Recorda-se do "pelotão da frente", orgulho do nosso honorável? Quem está nesse pelotão é o povo, o nosso, afinal capacho, carro vassoura. Cruzamos-nos todos os dias com ele. Parte dele até já usa gravata e anda de pó-pó carote mas continua a assemelhar-se muito com o "zé povinho". Basta estar atento ao que se passa à nossa volta, olhar as reportagens das TVIs, passar os olhos pelo Correio da Manhã profusamente distribuído por tudo quanto é café, para elevação cultural das gentes, substituindo competentemente bibliotecas e alfabetização de adultos.

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