Nunca a tua inteligência superior, a especial capacidade de organização ou a gratuita dedicação ao trabalho e à escola foram postas em causa – já para não deixar de fora o teu finíssimo sentido de humor. A escola apercebeu-se destas tuas qualidades logo assim que lá chegaste e, num dos primeiros momentos de crise de governação entendeu escolher-te. Encolheste-te na tua concha de timidez recusando-te a aceitar a liderança. (Disseste-me uma vez quando instado por mim para assumires a presidência na minha vez, que nunca serias presidente; entendi mais tarde que não tinhas, de facto, perfil para o ser.) Lançaste, porém - e bem! – as novas bases de organização de uma nova escola pondo em prática o modelo que tão bem imaginaste e que melhor implantaste ganhando logo aí algumas antipatias dado o teu rigor e a tua inflexibilidade. Os alunos não te aceitavam – dificilmente naquelas baixas idades se entendem os excessos e tu tinha-los em termos de exigência, de perfeccionismo e de inflexibilidade. Eras uma máquina pensante criada para organizar serviços e imaginar modelos, e não para o magistério, já que nada podia arredar-se um milímetro da linha programada, da lei. Disse-te uma vez citando Vergílio Ferreira – quando em inícios de 80 devorei as suas Conta(s) Corrente(s) – “és uma máquina e as máquinas não se amam, admiram-se”. Nada consegui com isso porque, para usar as tuas próprias palavras, “não és teimoso, és casmurro” e, como já acima disse, não admites afastar-te da tua ideia preconcebida nem a finura de um fio de cabelo. Não sei se por isso ou por outras razões que me atrevo agora a referir – um misto de timidez e de arrogância fruto de uma educação extremamente rígida ou até alguma insegurança de carácter – desististe, ao longo dos tempos, de vários cargos e incumbências que aceitaste desenvolver, alguns dos quais em tempo das minhas presidências. Percebi que não estavas interessado em trabalhar mais a meu lado e nunca entendi porquê. Terá sido por não estar à tua altura em termos de inteligência ou de rigor, aquele rigor algo exagerado que tu puseste sempre em tudo? Sempre lamentei porque gostei imenso de trabalhar contigo naqueles dois difíceis anos de mudança de instalações da escola; aprendi muitas coisas contigo e sempre achei que fizemos bom trabalho.
Mais tarde, veio a altura da divisão e das escolhas e, sem explicação racional – o que muito me admirou por seres por de mais racional – escolheste “o outro lado”. O lado dos grupinhos fechados dos lanchinhos e jantarinhos de amigos que se auto-apraziam na combinação das pequeninas intrigas, das pequeninas maldades, das pequeninas vinganças sempre em nome da mais clara transparência e correcção. O lado que, a certa altura, pensou ter, para sempre, dominado tudo e todos na escola agregando mais e mais elementos – todos os que se deixaram atrair pelas manobras da mais hipócrita simpatia. O lado do autoritarismo, o lado do “para os amigos tudo, para os inimigos a lei”.
Essa “hegemonia vitalícia”, para acontecer, teve de esperar ainda alguns anos mais. E, nesse entretanto, acolitado por ti – o que tanto lamentei, nem imaginas! – esse lado tudo tramou, tudo maquinou, tudo intrigou. Foram muitos os “encontros secretos” realizados nas instalações de outra escola – com toda a tua racionalidade não te deste conta do ridículo, da perversidade dessas e de outras acções – para montarem bem o plano, o esquema que vos “vingaria” e vos devolveria a dita hegemonia antes perdida.
E, depois de todo esse “trabalho”, desse “esforço”, dessa luta desmedida em que foram usadas manobras que a poucos lembrariam, lá conseguiram – muito, senão quase só, com a tua força intelectual – alcançar o vosso objectivo. E agora, passado pouco mais de um ano, desistes? Não dá para entender. Ou será que dá?