O Dia Internacional da Língua
Moderna foi proclamado pela UNESCO em 1999 com o objetivo de proteger e
salvaguardar as línguas faladas em todo o planeta.
A escolha do dia 21 de fevereiro
para comemorar o Dia Internacional da Língua Materna serve para lembrar a
população mundial da tragédia que ocorreu em fevereiro de 1952, na cidade de
Daca, no Bangladesh. Vários estudantes foram mortos pela polícia enquanto
protestavam pelo reconhecimento da sua língua - o bengalês - como um dos dois
idiomas oficiais do então Paquistão.
A nossa bela Língua Materna é
falada nos vários continentes, sendo em cada um deles “adoçada” pelos respigos
culturais de cada um desses grupos de falantes. Não é a “língua de Camões” como
tantos gostam de a apodar e definir. É a língua de todos e cada um de nós que a
usamos – melhor ou pior – a cada dia que passa. Isso é que faz a sua riqueza, a
sua diversidade.
E, por muito que eu goste dos
escritos de Camões – e mais ainda de Pessoa – não é a nenhum deles que recorro
para, hoje, celebrar a nossa bela Língua Materna.
Deixo dois textos que li ainda
muito jovem (o primeiro fazia parte do meu livro de Leituras da 4ª classe) que
me fascinaram e de que nunca mais me esqueci.
O estatuário
«Arranca o estatuário uma pedra
destas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que desbastou o mais
grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem: primeiro,
membro a membro e, depois, feição por feição, até à mais miúda. Ondeia-lhe os
cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a
boca, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos,
divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos. Aqui desprega, ali arruga, acolá
recama. E fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar.
O mesmo será cá, se a vossa
indústria não faltar à graça divina. É uma pedra, como dizeis, esse índio rude?
Pois trabalhai e continuai com ele (que nada se faz sem trabalho e
perseverança), aplicai o cinzel um dia e outro dia, daí uma martelada e outra
martelada, e vós vereis como dessa pedra tosca e informe fazeis, não só um
homem, senão um cristão, e pode ser que um santo.»
(Padre António Vieira, pregando em defesa dos índios brasileiros - in
Sermão do Espírito Santo)
Uma flor
«Pede-se a uma criança: Desenha
uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da
sala onde não há mais ninguém. Passado algum tempo o papel está cheio de
linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais
leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em
certas linhas que o papel quase não resistiu. Outras eram tão delicadas que
apenas o peso do lápis já era demais. Depois a criança vem mostrar essas linhas
às pessoas: Uma flor! As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma
flor! Contudo a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o
coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma
flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as
tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus
faz uma flor!»
(Almada Negreiros in
"O Regresso ou o Homem Sentado - III parte")