Passam hoje oitenta anos sobre a carnificina em Guernica, a pequena
povoação basca., perpetrada pela Luftwaffe de Hitler, como forma de apoio a
Franco na sangrenta Guerra Civil Espanhola.
O massacre que ocorreu a 26 de abril de 1937, durante a Guerra Civil de
Espanha, foi visto como um ensaio para os bombardeamentos aéreos da Segunda
Guerra Mundial. Foi a primeira vez que uma cidade foi destruída por bombardeamento
aéreo.
A partir das quatro horas da tarde, a cada quarto de hora esquadras de
aviões nazis e italianos apoiaram a guerra do General Francisco Franco contra a
Segunda República espanhola, lançando sobre Guernica bombas incendiárias depois
das bombas destrutivas. O ataque destruiu a maior parte da localidade, na época
com 5 000 - 7 000 habitantes, causando centenas de vítimas. Foi considerado um
ataque terrível na época e usado como propaganda fascista que se foi difundindo
por todo o mundo europeu ocidental, nomeadamente em Espanha, depois do General
Franco ter chacinado os “Vermelhos”, em Portugal, na Itália e, claro, na
Alemanha onde o movimento nasceu.
Não há como não referir o emblemático quadro de Picasso Guernica. Depois da chacina, o pintor
de Málaga demorou sete semanas para realizar a sua obra de colossais dimensões.
Uma obra onde mostra a dor da população basca e é, ao mesmo tempo, um grito
contra todas as guerras.
Aos que apontaram a crueza da obra, Picasso respondeu que “a pintura não serve para decorar
apartamentos, é um instrumento de guerra […] contra a brutalidade e o negrume”.
E aos pedidos de esclarecimento quanto à simbologia do quadro, que tantas
dúvidas e discussões gerou, retorquiu: “Não
cabe ao pintor explicar os símbolos, de outro modo, mais valeria que ele os
explicitasse por escrito! Quem contempla o quadro deve interpretar os símbolos
tal como os entende”.
Diz-me quem já leu que o escritor esapnhol Javier Cercas, já agraciado pelo prémio literário das “Correntes d’Escrita” em 2105, tem escrito –
e bem – sobre a Guerra Civil Espanhola. A ler!
O nosso (bem esquecido) poeta Carlos de Oliveira também dá uma particular
atenção ao trágico episódio Guernica em «Descrição
da Guerra em Guernica», uma composição de dez poemas nos quais o anjo camponês, levado pelo olhar da pintura
de Picasso, vai testemunhando e guiando o leitor desde o instante em que casas
pegam fogo, trabalhadores rurais são esmagados, aves e gado são mortos, além do
sofrimento daqueles que encontram sem vida os seus entes queridos.
Deixo aqui o primeiro dos
poemas.
«Entra pela janela,
o anjo camponês;
com a terceira luz na mão;
minucioso, habituado
aos interiores de cereal,
aos utensílios
que dormem na fuligem;
os seus olhos rurais
não compreendem bem os símbolos
desta colheita: hélices,
motores furiosos;
e estende mais o braço; planta
no ar, como uma árvore,
a chama do candeeiro.»
E o último.
«O incêndio desce;
do canto superior direito;
sobre os sótãos,
os degraus das escadas
a oscilar;
hélices, vibrações, percutem os alicerces;
e o fogo, veloz agora, fende-os, desmorona
toda a arquitetura;
as paredes áridas desabam
mas o seu desenho sobrevive no ar; sustém-no
a terceira mulher; a última; com os braços
erguidos; com o suor da estrela
tatuada na testa.
(Carlos de Oliveira,1982)