Hoje fui surpreendida por um
texto da escritora Cristina Carvalho (filha de Rómulo de Carvalho) na sua
página do facebook, que dizia assim:
" Ó patriazinha iletrada,
que sabes tu de mim?" - Alexandre O'Neill
«Em 19 de Dezembro de 1924 nasceu
ALEXANDRE O'NEILL - poeta surrealista, um dos fundadores do Movimento
Surrealista Português. Foi, também, publicitário. Imaginou frases incríveis, de
uma agudeza e espírito totais, frases que ficaram para sempre, como esta bem
conhecida "Há mar e mar, há ir e voltar".
Mas a sua inteligência era
imensa, provocadora, irónica. Personalidade atentíssima, vibrou e fez vibrar as
cabeças inquietas, as veias mais escondidas dos portugueses que, nesse tempo em
que ele viveu, viviam soterrados na mais indigente impossibilidade de expansão
cultural.
Portugal e o "meio",
sempre cultíssimo e muito sério, muito benzeduras e panos quentes, muito
original e intransponível; Portugal, essa geográfica península, senhora bem
comportada difícil de se levantar da poltrona, esse pequeno recorte de terra
que olha de revés para quem passa por detrás da cortina de cassa do vidro de um
qualquer oceano, esse oceano e respectivas gaivotas que os poetas que
frequentam os supermercados desta vida exaltam a torto e a direito, olhando
pouco para dentro; esse Portugal esquelético e amargurado reverberando fados de
goela aberta por todas as vielas dignas de tal nome, não lhe deu a mão. Teve
medo dele.
Se fosse hoje, talvez fosse
diferente, mas em plenos anos 80 do século XX, a coisa ainda era muito
complicada.
Digo eu que nunca me esqueci de
ti, ó Alexandre.
Nem hoje, nem nunca. Sendo este -
nunca - relativo, claro! É só até eu desaparecer!»
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Fui procurar o poema cujo verso
lhe inicia o texto e é o que deixo aqui a lembrar que faz hoje 93 anos que
nascia, em Lisboa, o grande e esquecido poeta Alexandre O’Neill.
Caixadòculos
- Patriazinha iletrada, que sabes
tu de mim?
- Que és o esticalarica que se
vê.
- Público em geral, acaso o meu
nome…
- Vai mas é vender banha de
cobra!
- Lisboa, meu berço, tu que me
conheces…
- Este é dos que fala sozinho na
rua…
- Campdòrique, então, não dizes
nada?
- Ai tão silvatávares que ele vem
hoje!
- Rua do Jasmim, anda, diz que
sim!
- É o do terceiro, nunca tem
dinheiro…
- Ó Gaspar Simões, conte-lhes
Você…
- Dos dois ou três nomes que o
surrealismo…
- Ah, já agora sim, fazem-me
justiça!
- Olha o caixadòculos todo
satisfeito
a ler as notícias…
(Alexandre O’Neill, Feira Cabisbaixa, 1965)