Comigo própria, acreditam? Um dos
meus (muitos) defeitos é a minha péssima memória visual. Se calhar por ser
míope, sei lá! Tenho sempre muita dificuldade em reconhecer as pessoas se, por
exemplo, passou muito tempo sem as encontrar, ou se não as vejo nos locais
habituais, ou se não estão vestidas com as vestes profissionais. Uma vergonha.
E, como muita gente me conhece por ter estado naquela escola durante 36 anos e
tantos deles à frente dos seus destinos, mesmo que não as reconheça, se me
cumprimentam, eu respondo sempre afavelmente. Pelo sim, pelo não. Para não
passar por indelicada.
Ora ontem, ia eu no meu passinho
habitual para os recadinhos que há a fazer à segunda-feira de manhã quando, de
dentro de uma pastelaria, alguém – que de imediato não reconheci – me faz um
simpático cumprimento, respeitoso e risonho. Acenei de volta sorrindo. E aí,
como um raio vibrante e fluorescente, fez-se-me luz: o rapazola que, r(v)endido
ao meu opositor, me “fez exame” de
acesso ao cargo de diretora da escola, “chumbando-me”. Um “pentelhito”
(desculpem-me a linguagem catroguiana, mas assenta-lhe que nem uma luva) um
elemento de uma associação de pais da idade das minhas filhas, daqueles que
tiraram um curso de “gestão de recursos humanos” por correspondência ou com
algumas equivalências à Relvas, sei lá… Um pequenino pedante, um “leiriense plásticos”
(como diz uma amiga minha que vós bem conheceis…) Tinha prometido a mim própria
que nunca mais lhe dirigiria a palavra.
Quando logo após o ignóbil “chumbo”,
abandonei a escola e a profissão, até comecei a escrever uma «cantiga de
escárnio» sobre tão indizível pessoa… Começava assim:
«Feio, baixinho e vil,
Olho matreiro e arguto,
Cabelinho de palha d’aço
E ralo, dá-lhe ao longe
Que não ao perto,
Um arzinho pueril.
Vozinha de cana rachada
Por muito que alinhe palavra
- e alinha, que fala bem! –
Não engana um qualquer
Embora qualquer um caia
Na falácia, no enleio
Que usa, se lhe convém:
O homem tem cá “uma saia”!
(…)
Escrevi ainda mais umas tantas
estrofes, mas depois desisti: o homenzinho não merecia a métrica…
Foram muito poucas, umas três ou
quatro, as pessoas a quem, ao longo da minha já longa vida, eu deixei de falar.
Sou de facto muito dura (com os outros tanto como comigo) mas quando me sinto
verdadeiramente ofendida ou humilhada por alguém no mais íntimo de mim, essa
pessoa para mim passa a ser transparente, deixo de a ver, de a considerar e
portanto de lhe falar.
Agora imaginem a minha fúria
quando, em segundos, me lembrei de quem era aquele aceno desbragado ao qual eu
respondi tão abertamente!