(Se assim me é permitido dizer – eu que não passo de uma paramécia…)
Fiquei a saber – abençoado facebook! – que o escritor António Lobo
Antunes, que considero o nosso melhor
escritor vivo, faz hoje anos. 74 para que conste. Por isso digo: Parabéns,
António!
Corri lá acima para ver se
encontrava no seu livro de Cartas de Guerra (que diariamente escreveu, no ano
de 1971, a sua mulher Maria José Fonseca e Costa, quando esteve na guerra do
ultramar em Angola) uma carta datada do seu dia de anos. E encontrei. Passo a
transcrevê-la.
«Gago Coutinho
1.9.71
Querido amor
Faltam já só vinte e tal dias
para te ver, e, à medida que a data se aproxima, o tempo parece tornar-se mais
lento… Fui hoje ao Ninda, e suponho não ter de voar mais até à próxima
quarta-feira: sete dias de existência terrena, de platitude.
Espero que mantenhas esses 55
kilos! A mim, magníficas rotundidades! Quanto ao cafeco [a filha bebé que ainda
não conhecia] começo a perder as esperanças de ver retratos dela… Os rolos
estragam-se uns após os outros… Diabo de sorte!
Começam a andar no ar boatos
acerca de uma possível rotação do batalhão para uma zona melhor, mas tudo, ao
que penso, sem consistência. A verdade é que temos já 5 mortos – fora o resto. O
batalhão anterior teve só 1 morto em combate durante quinze meses, e por esta
comparação podes ver o recrudescimento da guerra por estar bandas. Mas não
falemos mais nestes tristes assuntos.
Já me esquecia de que faço anos
hoje. Ninguém aqui me deu os parabéns porque ninguém sabe. E eu próprio não me
sinto como dantes me sentia nesta data. Tenho a impressão de que o dia 1 não
representa nada para mim. a velhice, a usura. E este melancólico
desencantamento…
Há que tempos que não escrevo aos
meus pais. Nem aos teus. O teu velho faz anos no dia 7, mais ou menos, não é? Teve
a lata, coitado, de me mandar um livro chamado «Saber ser pai». Eu sinto-me
mais teu amante do que teu marido: cada vez que penso em ti relambo os beiços. E,
a propósito, gosto tudo de ti, facto notabilíssimo.
Milhões de beijos do
António
Saudades à criancinha, fruto dos
nossos ardentemente ilegítimos amores.
GTS»
(O último livro de Lobo Antunes que lei foi «As Naus» publicado em 1988 - um portento! Hei de falar desse livro, um dia destes.)
(no colo de sua mãe) |
(com a sua mulher Maria José) |
(em Angola) |
(capa do livro Cartas de Guerra) |
(O Ninda, Angola) |