Normalmente não gosto das
crónicas que Vasco Pulido Valente escreve no Público nas quais, altivamente,
ele dispara em todas as direcções zurzindo, à esquerda e à direita, os seus
odiozinhos de estimação que, de uma maneira geral, não correspondem aos meus… Desta vez, porém, diz na sua crónica de hoje exactamente
aquilo que eu penso e defendo e fá-lo de forma tão “assertiva” dentro daquele
seu estilo contundente e feroz (que tantas vezes me irrita…) que não resisto a
citá-lo aqui.
Diz ele:
«Dezenas de analfabetos que
gostam de se dar ares fizeram um escândalo com o aparente excesso de erros de
ortografia, pontuação e sintaxe dos 2490 professores que se apresentaram à
“Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades” (PACC). Deus lhes dê juízo.
Para começar, não há em Portugal
uma ortografia estabelecida pelo uso ou pela autoridade. Antes do acordo com o
Brasil – um inqualificável gesto de servilismo e de ganância –, já era tudo uma
confusão. Hoje, mesmo nos jornais, muita gente se sente obrigada a declarar que
espécie de ortografia escolheu. Pior ainda, as regras de pontuação e de sintaxe
variam de tal maneira que se tornaram largamente arbitrárias. Já para não falar
na redundância e na impropriedade da língua pública que por aí se usa, nas legendas
da televisão, que transformaram o português numa caricatura de si próprio; ou
na importação sistemática de anglicismos, derivados do “baixo” inglês da
economia e de Bruxelas.
De qualquer maneira, a pergunta
da PACC em que os professores mais falharam acabou por ser a seguinte: “O
seleccionador nacional convocou 17 jogadores para o próximo jogo de futebol
(para que seria?). Destes 17 jogadores, 6 ficarão no banco como suplentes.
Supondo que o seleccionador pode escolher os seis suplentes sem qualquer
critério que restrinja a sua escolha, poderemos afirmar que o número de grupos
diferentes de jogadores suplentes (é inferior, superior ou igual) ao número de
grupos diferentes de jogadores efectivos.” Excepto se a palavra “grupo”
designar um conceito matemático universalmente conhecido, a pergunta não faz
sentido. Grupos de quê? De jogadores de ataque, de médios, de defesas? Grupos
dos que jogam no estrangeiro e dos que, por acaso, jogam aqui? Não se sabe e
não existe maneira de descobrir ou de responder. O dr. Crato perdeu a cabeça.
Na terceira pergunta em que os professores mais falharam, o dr. Crato agarrou nas considerações tristemente
acéfalas de um cavalheiro americano sobre “impressão e fabrico” de livros. Esse
cavalheiro pensa que há “livros em que a beleza é um desiderato” (ou seja, a
beleza do objecto) e outros “em que o encanto não é factor de importância
material” (em inglês, “material” não significa o que o autor da PACC
manifestamente julga). E o homenzinho acrescenta pressurosamente: “Quando
tentamos uma classificação, a distinção parece assentar entre uma obra útil e
uma obra de arte literária”. A obra de arte pede beleza ao tipógrafo (ao
tipógrafo?), a obra útil só pede “legibilidade e comodidade de consulta”.
Perante este extraordinário cretinismo, a PACC exige que os professores digam
se o “excerto” “ilustra” os dois termos de uma comparação, o primeiro, o
segundo ou nenhum deles.
Uma pessoa pasma como indivíduos com tão pouca
educação e tão pouca inteligência se atrevem a “avaliar” alguém.»
(sublinhados meus)