Depois de ter sido mandado calar no DN, Baptista-Bastos escreveu na semana passada, no Jornal de Negócios, a crónica que aqui transcrevo hoje e que devemos ler com atenção.
A voracidade
destrutiva do grupo de Passos Coelho é a maior tragédia que tombou em todos
nós, os que trabalham, desde o 25 de Abril.
A sociedade portuguesa está cada
vez mais pesada e trágica. A entender o que diz, ou sussurra, ou omite o
Orçamento do Estado, a miséria vai aumentar para os mais desprotegidos, e a
reposição de 20% dos cortes aos funcionários não passa de uma decisão ultrajante.
O Governo está a cair aos pedaços fétidos e não pára de ferir fundo aqueles de
nós, como eu, com perdão da palavra, que têm de continuar a trabalhar ou a
biscatar para sobreviver.
A voracidade destrutiva do grupo
de Passos Coelho é a maior tragédia que tombou em todos nós, os que trabalham,
desde o 25 de Abril. Temos de repetir esta evidência até que a voz nos doa.
Agora, alguns dos patrões que enriqueceram com as benesses e as facilidades
propiciadas por este Executivo, já começam a recalcitrar. A própria direita,
corporizada em Paulo Portas, percebe que o chão lhe está a fugir, mas metem
nojo, por exemplo, as declarações de Lobo Xavier, um dos homens de mão do
Belmiro de Azevedo, ou as patetices de Nuno Melo (parece ser assim o nome do
desenvolto) quando proclama a melhoria de vida dos portugueses. O Governo está
em estilhaços, as malfeitorias que pratica não cessam, e o Orçamento do Estado
constitui um ultraje ignominioso, a crer nos economistas e em toda a oposição.
O próprio António Saraiva, patrão dos patrões, começa a não poder esconder o
mal-estar que se lhe apossou, independentemente de estar visivelmente doente.
Mas a questão central continua a
mesma: e depois de Passos, que decisões tomará o novo Governo, ante este caos
económico, moral, social e cultural?
Às vezes, muitas vezes, penso
quais serão as conversas que o primeiro-ministro terá em família? E a família
ficará infensa à gritaria, aos protestos, ao caudal de desemprego, de fome de
miséria que se estende pelo País?
Claro que o futuro de Passos
estará sempre garantido, e o espectro do desemprego não tocará nunca no batente
da sua porta. Deixa, atrás de si, um país que destruiu, e cujos escombros são a
trágica afirmação de uma prática governamental pautada pela mais atroz
incompetência. Os seus amigos serão a senhora Merkel, o senhor Juncker e o
sinistro dono das finanças alemão, cujo nome me causa engulhos, e que foi o
grande patrocinador desta macabra experiência político-económica. O ministro
Gaspar já está arranjadinho, e só não passa à história como biltre porque os
portugueses são esquecidos, fazem-nos esquecer ou negligenciam a sua pessoal
sobrevivência.
A preguiça mental e social e a
cobardia nascida da indiferença são as causas gerais da nossa decadência. Há
restos de dignidade e de decência, como a que corresponde a atitude de Maria
Teresa Horta, grande poetisa e grande carácter, que recusou receber, das mãos
de Pedro Passos Coelho, o prémio da Casa de Mateus, enquanto um
"escritor" inexistente, arfante de alegria, foi medalhado pelo dr.
Cavaco, com esfuziante entusiasmo e pouca-vergonha a condizer, servindo de berloque
à direita mais sórdida.
António Costa, presumível
primeiro-ministro, vai estar em terreno armadilhado. Só o apoio das forças de
esquerda poderá impedir o que se prevê. A imprensa está a mudar de donos, e
criaturas estipendiadas são colocadas em lugares-chave da comunicação social,
perante a impávida disposição das Redacções.
Apesar deste caos moral e social,
e das minhas apreensões ante o panorama, continuo a acreditar que possuímos
forças suficientes para enfrentar a avalanche. Não podemos é desistir.
Desistir, nunca, e em circunstância alguma.
NOTA A TEMPO - Aproveito para
agradecer aos leitores que se interessaram pela minha saúde, na semana passada.
E, também, a todos aqueles, às centenas, indignados com um percalço de que fui
protagonista. A saúde foi um transtorno passageiro. No outro caso, recorro a
Carlos de Oliveira: "Não há machado que corte / a raiz ao
pensamento."