Muito, mas muito antes de inventarem os Dias de e, portanto, o Dia da Terra, já havia muito quem se preocupasse com estas questões ecológicas, com os problemas da Terra e com a forma completamente irresponsável com que o Homem lida com o seu Planeta, a sua Terra, a sua Casa. E também já havia professores de Português que, aí por 75, 76, liam destes textos com os seus alunos de doze anos.
Arborizem!
“Querem retemperar a nação e a
raça? Arborizem, arborizem, arborizem a erra, a escarpa marinha, a duna, o
pedregulhal. Nunca mas secarão as fontes, os rios volverão à madre, os ares
serão puros e tónicos, a vida risonha. Nesses oásis, Gerez, Bussaco, Mafra,
Leiria, está u b0m exemplo. Nem só campina tem direito, como diremos? à munificência
da natureza; têm-na também as cidades. São os parques os seus pulmões e a sua
festa. E que adoráveis não são já alguns, da capital, o Jardim da Estrela, onde
cresce por entre tílias e álamos um mundo pequenino, o Campo Grande, o Parque
Eduardo VII, a Tapada da Ajuda!
(…) No Jardim das Plantas, de
Paris, existe um cedro, que hoje mede 4 metros de circunferência em sua base,
trazido para ali por um sábio no seu chapéu. Reza a história que para dar água
à plantazinha diminuta se fartou ele de ter sede. Era um bom e talentoso homem.
Um letreiro ligado ao tronco perpetua o seu nome. Na Praça do Príncipe Real
também há um lindo e singular cedro, que abriga os namorados debaixo da rama
especiosa. Não é imponente como o de Paris; mas é um cedro filantropo, afável a
mais não poder ser, e por aqui merece a nossa admiração.”
(Aquilino Ribeiro)
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Jardim da Estrela |
Mas é árvore…
«Poucos portugueses há que gostem
de árvores. Tiram-lhes a vista… Querem o campo visual desafrontado como se
temessem inimigo oculto.
Para que serve uma árvore? Uma
árvore não tem utilidade nenhuma – a não ser que dê pêras, maçãs ou cerejas.
Fazem raciocínios deste jaez as
pessoas. Pedem aos amigos, aos vizinhos, às autoridades, que cortem aquelas
árvores, que não estão ali a fazer nada…
De geração em geração, vai-se
agravando esta sanha arboricida. Árvores isoladas, que cresceram e se desenvolveram
livremente, dando nome e beleza a certos sítios, uma hoje, outra amanhã, foram
sacrificadas a esse furor, porque eram árvores. Aquele pinheiro manso, aquele
castanheiro, aquele cedro – já não existem. Foram degolados sem que ninguém os
defendesse nem chorasse. O mais que se diz, em seu louvor, é que deram bons
carros de lenha.
Esta árvore deve ir abaixo porque
está velha. Esta árvore deve ir abaixo porque estorva. Esta árvore deve ir
abaixo porque não deixa ver quem vai na rua. Verdade é que nem a árvore está velha,
nem impede que se vejam as pessoas que se querem ver. Mas, é árvore… Deve morrer
porque teve a pouca sorte de ser árvore.
O homem antigo, se não amava as
árvores, respeitava-as por instinto. Foi a maneira de nos legar algumas. O homem
moderno põe em jogo uma espécie de inteligência para as destruir. Não quer que
tenham fisiologia. Não admite que levantem passeios, nem arremessem folhas aos
telhados. Quer que sejam inertes como candeeiros. O homem actual deixará à
posteridade em vez de árvores, pérgulas de cimento. Confunde urbanismo com desarborização.
O urbanismo que pede verdura, é entre nós sinónimo de secura. Ninguém urbaniza
sem pôr raízes ao sol.
Em Portugal, só com poetas se
pode contar para defender as árvores condenadas. Quem não é poeta ou não tenha
dentro da alma o seu quê de poesia, o que deseja é ver terra nua. Faria de
Sintra, do Buçaco e do Bom Jesus três carecas de respeito.
Há quem diga que é preciso
destruir árvores para dar lugar a automóveis. Mas se o motor de explosão, com
as suas exalações, destrói a saúde pública e a árvore é o seu contraveneno, é
indispensável conciliar a existência do motor com a existência da árvore. É preciso
que se acomodem ambas no espaço que lhes couber, sob pena de morrermos
envenenados.
Cada árvore é uma bica de oxigénio
indispensável à vida. É, de mais a mais, filtro de gases tóxicos provenientes
de combustões devidas ao nosso comodismo. Tais gases vão fazendo de cada
povoado uma câmara de condenados à morte. Os moradores de certos países parecem
moribundos.
Só a árvore os poderá salvar.
Conviria convencer de tal verdade
o nosso homem comum, que não olha as belezas da paisagem, mas é capaz de
defender a beleza da sua pele. Só assim se poderão salvar as árvores que ainda
existem em cidades e vilas portuguesas.»
(João Araújo Correia, in Passos Perdidos, 1967)
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(Jardins do Alvor Beach Club Hotel, no Algarve) |
Arborizem!