Não resisto a um bom texto irónico. E é por isso que trago hoje aqui a excelente crónica de Manuel António Pina ditada na Notícias Magazine de ontem. Que fique bem claro que não venho aqui defender que se fume – nunca fumei um cigarro na minha vida. Trata-se tão-somente de um excelente texto que põe a ridículo os fundamentalismos pacóvios que nos vão assolando (ou assombrando) e que a comunicação social faz questão de inculcar nas cabeças dos mais distraídos.
Os malefícios do tabaco (ParteII)
Vai por aí uma hipócrita discussão acerca da obrigatoriedade, ou não, de os titulares de cargos públicos revelarem a sua filiação em obediências diferentes da do interesse colectivo, em concreto, na Maçonaria (e porque não o Opus Dei e outros lobbies de que não se fala, não menos sigilosos e duvidosos do que a Maçonaria?; o cardeal-patriarca falou da Maçonaria mas esqueceu-se da «Obra»; em contrapartida, honra lhe seja feita, lembrou-se do Sporting…).
O Dr. Francisco George, o sempiterno director-geral da Saúde, tinha aqui uma ocasião privilegiada para apanhar boleia e colocar na agenda mediática também a obrigatoriedade de os titulares de cargos públicos incluírem nas suas declarações de interesses e obediências se são fumadores, pois que fumar – não seria difícil arranjar um qualquer perito que fosse à TV dizê-lo – é uma obediência ainda mais compulsiva do que andar de avental e penduricalhos coloridos.
Lá haveremos de chegar, aos titulares de cargos públicos e, depois, à generalidade dos cidadãos, de modo a criar aquilo que os ideólogos do fascismos higienista chama de «hostilidade social contra os fumadores». E já faltou menos para os pôr, juntamente com os maçons, de estrela amarela ao peito, agora que já os confinaram a ghettos recônditos de cafés, bares, restaurantes, pubs, discotecas, salas de jogos, escolas, empresas, teatros, cinemas, centros comerciais e sei lá que mais «ambientes públicos» e privados (será permitido fumar nas lojas maçónicas?).
A Parte II da Longa Marcha proibicionista do Dr. Francisco George é agora expurgar os fumadores também das imediações desses «ambientes públicos» (isto depois de, previamente, os expulsarem dos actuais ghettos). E, a seguir, parece que igualmente a proibição de fumar dentro dos automóveis. Não me admiraria se a coisa acabasse com o Dr. Francisco George a mandar-me a ASAE a casa para verificar se fumo quando vou ao quarto de banho. E se ponho sal a mais na comida, se consumo álcool, doces, gorduras, se tomo banho todos os dias, se faço exercício, se controlo regularmente o PSA…
A barragem de artilharia sobre a opinião pública já começou: «Basta estar uma pessoa do lado de fora, junto à porta de um bar, para aumentar a exposição ao fumo de quem está no interior», garante a coordenadora de um «estudo» pago pela Direcção-Geral da Saúde a uma «equipa de investigadores». A «equipa de investigadores» não dá pormenores sobre a orientação do vento nem as condições de pressão e temperatura à porta do tal bar, mas andou a snifar locais com zonas para fumadores verificando que «em mais de trinta por cento cheirava a tabaco em todo o estabelecimento» (a fumo de escapes decerto não cheirava nos estabelecimentos, nem «do lado de fora, junto à porta», se não os narizes dos investigadores teriam dado por isso; de modo que automóveis, motos e camiões poderão continuar a circular nas imediações desses «ambientes públicos»).
Posto tudo isto, concordo (eu, que sou fumador) que não se deve sujeitar quem não fuma ao fumo alheio, pelo mesmo elementar motivo que também eu tenho o direito de exigir ao Dr. Francisco George que me proteja (coisa para que está patentemente virado) da poluição dos escapes e do cheiro de água-de-colónia rasca em elevadores demais «ambiente públicos».
Dizem os cruzados antitabagistas que um em cada quatro portugueses que morrem prematuramente (maçons incluídos, acho eu) morre «em parte devido ao tabaco». É capaz de ser «em parte» verdade. E os três portugueses restantes, que pelos vistos não fumam e também prematuramente? Poder-se-á concluir que não fumar é três vezes mais perigoso do que fumar?
Manuel António Pina